Kywal
de Oliveira
O mensageiro da
amizade
A
carreira do ministro de primeira
classe Kywal de Oliveira, atual
cônsul-geral em Roterdã,
Holanda, inclui um dado marcante
para o currículo profissional
de um diplomata em atividade, neste
início do século XXI.
Em 2002, Oliveira, um carioca de
59 anos - trinta e três dos
quais a serviço do Itamaraty
- tornou-se o primeiro embaixador
brasileiro em Timor-Leste, um antigo
território ocupado do sudeste
asiático, alçado à condição
de estado independente, em maio daquele
mesmo ano. Assim, ele entrou para
a história das relações
exteriores do Brasil, ao estrear
no posto (foi nomeado embaixador
pelo presidente Lula da Silva), em
país que também fazia
seu "debut" como nação – a
primeira a ser constituída
no milênio que apenas começava.
O desafio de ali semear o solo diplomático,
porém, já o ocupava desde
2000, quando Kywal de Oliveira chegou
ao Timor-Leste, que então
se encontrava sob a administração
das Nações Unidas, após
a retirada indonésia em 1999,
como conseqüência dos chamados
Acordos de Nova Iorque. Embora ainda não
fosse o titular de direito do cargo de
Embaixador, já o era de fato,
ao estabelecer laços entre o Brasil
e aquele futuro país, na
condição de Chefe do Escritório
de Representação brasileiro,
que começou a funcionar em 1º de
junho daquele ano. "Foi um trabalho mais
difícil do que os outros, pois
tive que 'começar do zero', mas, ao
mesmo tempo, algo que me deu um prazer
intelectual enorme, que não vou
encontrar uma segunda vez", diz, ao avaliar
aqueles tempos, em que teve ainda a oportunidade
de conviver e
trabalhar com outro brasileiro, cuja
passagem pelo Timor-Leste é
também histórica: Sérgio
Vieira de Mello, o funcionário
da ONU que atuou como administrador da
transição política
local. "Foi um notável articulador
político", lembra o cônsul-geral,
que, em agosto de 2003, ao assistir o
telejornal, foi surpreendido com a notícia
da morte de Vieira de Mello, em atentado às
instalações das Nações
Unidas, durante sua missão no
Iraque do pós-guerra.
Na Holanda
Em setembro de 2004, Kywal de Oliveira
assumiu o posto de
cônsul-geral, em Roterdã,
em substituição ao colega
Francisco Soares Alvim Neto, que passou
a servir na Costa Rica. A chegada
do diplomata pôs fim a um período
em que, durante dez meses, o Consulado
Geral do Brasil esteve sob o comando
de sete cônsules interinos. Antes,
Oliveira desempenhou funções
em oito países, incluindo o Brasil.
A de cônsul-geral, por exemplo,
já exercera em Sydney, Austrália,
onde esteve, na segunda metade dos anos
90, e para onde ele e sua esposa sempre
retornam, quando a saudade dos dois filhos,
ali residentes, aperta seus corações.
Na segunda-feira, 17 de janeiro, o cônsul-geral
recebeu, em seu
gabinete, a reportagem de Brasileiros
na Holanda, para uma entrevista
exclusiva. O encontro revelou ainda outros
aspectos do perfil do embaixador:
o jurista de formação, suas
incursões pelo jornalismo, sua
paixão pelo cinema e pela literatura – acaba
de 'redescobrir' Nelson Rodrigues – e,
sobretudo, sua extrema simpatia, que
expressa através de um sorriso
franco, simplicidade e transparência.
Diplomata convicto, Kywal de Oliveira
pretende ainda repetir, na Holanda, um
objetivo que alcançou na Austrália,
por empenho pessoal - aproximar a comunidade
brasileira de seu consulado. Para isso,
está disposto a "ir aonde o povo
está" e assim desmitificar a figura
do cônsul. "Eu tenho o desejo de
conhecer a nossa comunidade e ver em
que medida o consulado pode ser um instrumento útil
a ela", adianta. A seguir a íntegra
da conversa entre Kywal de Oliveira e
esta repórter.
Avdv – Como o senhor imagina atingir
esta meta?
Kywal de Oliveira - Em
primeiro lugar é preciso dizer
que o consulado tem suas limitações,
tanto de pessoal como de recursos. Trabalhamos
para tentar superá-las e esta
atividade inclui estar o mais atento
possível às necessidades
dos cidadãos brasileiros aqui
residentes. Uma medida inicial, que já está em
vigor, é levar, cada vez mais
a público, informações
a respeito das funções
consulares, muitas vezes confundidas
com tarefas muito além de sua
competência e de seus meios.
Avdv - Quais seriam essas funções,
exatamente?
KO – Estas funções
estão estabelecidas pelo artigo
5 da Convenção de Viena,
um documento de 1963. Ele é a
'moldura' que cerca nosso trabalho. Entre
elas, poderia destacar a proteção,
no exterior, dos interesses do
Estado brasileiro e de seus nacionais,
dentro dos limites permitidos pelo direito
internacional. Isto, contudo, não
significa, por exemplo, possamos
de defender alguém juridicamente,
substituindo o advogado em tribunais
locais, mas apenas prestar-lhe, neste
sentido, alguma assistência. Por
outro lado, um consulado funciona como
um cartório, expedindo documentos
e certidões. O cônsul é,
ao mesmo tempo, juiz de paz, tabelião,
emite passaportes, concede vistos e até mesmo
realiza casamentos – eu mesmo já fiz
quatro deles
aqui. Enfim, o consulado é um
orgão de apoio aos cidadãos,
onde é possível registrar
suas atividades civis para que ele possa
sempre estar em dia com seus deveres
e atualizado a respeito de seus
direitos.
Avdv – No entanto, Embaixador,
muitos brasileiros anseiam por um serviço
mais eficiente.
KO – Este desejo é perfeitamente
compreensível. Infelizmente, como
disse antes, as normas estabelecidas
e os recursos de que dispomos nos impedem
de ir mais além. É preciso
que se entenda que o consulado não
está habilitado para resolver
diretamente problemas do brasileiro com
a legislação holandesa.
O que nós podemos fazer – e
fazemos – é aconselhar o
cidadão e acompanhar os processos
em que ele está envolvido, orientá-lo
na reivindicação dos seus
direitos ou em situações
de emergência. Na medida do possível
posso afirmar que essa tarefa é realizada
com grande presteza. Por outro lado, é preciso
que o cidadão brasileiro procure
o consulado, quando tem alguma dúvida. É para
isso que estamos aqui.
Avdv – Muitos, porém,
têm medo de fazê-lo, talvez
por não estarem com a situação
legalizada.
KO – Nós
temos, por exemplo, cerca de 500 brasileiros
oficialmente registrados aqui no consulado. É de
nosso conhecimento, porém, que
este número esteja aquém
da realidade da presença de brasileiros
aqui. O consulado não tem a necessidade
da informação da situação
legal de cada pessoa que o procura. Esta
questão é do interesse
do Estado holandês. Agora, caso
alguém venha a ser preso nestas
condições, então
temos que participar do processo, verificando
as condições do detido,
se seus direitos estão sendo respeitados,
se ele está sendo bem tratado.
Avdv – Então o imigrante
ilegal brasileiro não precisa
ter medo de vir aqui?
KO – De modo algum.
O brasileiro não tem o que recear
de seu consulado.
Avdv – Como o senhor avalia
a decisão daqueles que optaram
pelo passaporte holandês e com
isso perderam a nacionalidade original?
KO – Não
posso avaliar a escolha pessoal de cada
um, nem mesmo suas razões, mas
um aspecto desta decisão me chama
a atenção. Tenho a impressão
de que muitas pessoas adotam nacionalidade
estrangeira sem saber direito em que
circunstâncias devem fazê-lo.
A perda da condição de
brasileiro, por exemplo, pode ser evitada
em quatro casos, que são os seguintes:
se a pessoa é cônjuge ou
parceira de um holandês, se viveu
na Holanda, Antilhas ou Aruba antes dos
18 anos, por cinco anos
ininterruptos, se tiver razões
específicas para não abandonar
a
nacionalidade brasileira ou ainda se
a perda de certos direitos ficar
comprovada ou se houver sérios
prejuízos financeiros. É preciso
que as pessoas se informem bem, antes
de tomar a decisão. Do lado brasileiro
posso garantir que a posse de duas nacionalidades
não gera conflito.
Avdv – O senhor passou
os últimos quatro anos no Timor-Leste,
onde lançou a pedra fundamental
da diplomacia brasileira, naquele país.
A experiência o deixa saudoso?
KO – Sem dúvida,
mas quando se começa uma missão
como aquela, já se está consciente
de que um dia ela chegará ao fim. É preciso
delimitar o campo de ação,
senão a objetividade fica comprometida.
Sem prejuízo do entusiasmo pela
missão, procurei ter em mente
que, nem era dali e nem tinha vindo para
ficar. Claro que o Timor-Leste e eu estamos
emocionalmente ligados, que guardo lembranças
inesquecíveis do país e
do carinho de sua gente, mas a despedida
faz parte da minha profissão.
Eu já fui preparado para o dia
de ir embora, o que não diminui
a intensidade dos momentos em que passei
lá, tanto na primeira fase, quando
ainda não era um país independente,
quanto na segunda, quando
Timor-Leste já caminhava com seus
próprios meios, não obstante
fosse o apoio das Nações
Unidas, fundamental, mesmo após
a finalização do processo
de transição.
Avdv – Principalmente através
da pessoa de Sérgio Vieira de
Mello.
KO – Sérgio
foi um homem notável. Um líder
nato, que chegou a chefiar doze mil pessoas
a um só tempo. Era um administrador,
com um talento político extraordinário.
Seu trabalho, considerando-se a estrutura
disponível, foi ímpar.
Creio que sua presença no Iraque
teria feito uma enorme diferença.
Infelizmente ele não sobreviveu
para ver mais além o resultado
do maravilhoso serviço que prestou
ao Timor-Leste. Não era apenas
um colega de trabalho, era um amigo.
Avdv – Que contribuições,
na sua opinião, teria a dar, o
Brasil ao
Timor-Leste?
KO – O Brasil
tem dado sua contribuição
a Timor-Leste e penso que deveria perseverar no
campo da Cooperação Técnica
e Educação, eu diria, com
destaque para modelos como o do ensino
técnico do Senai. Além
disso, nas áreas da Saúde – principalmente
no combate à malária – da
Agricultura, com nossa experiência
na cultura do café, colaborando
para o fortalecimento das instituições
do Estado e preparando quadros capacitados
para a Administração Pública
e, acima de tudo, na área da Justiça, que,
no meu entender, merece atenção
especial.
Avdv – Como o senhor definiria
seu papel administrativo?
KO – Sou um funcionário
público e tenho a responsabilidade
de um
prestador de serviços. O consulado
oferece uma "linha de produtos" e o público é o
nosso cliente. Temos que agir dentro
da moderna filosofia empresarial, oferecendo
bons serviços a preços
razoáveis. Tenho, como 'gerente',
a função de prestar contas
ao tesouro nacional, por exemplo quanto
aos selos consulares, cuja arrecadação
vai para uma conta oficial, no Banco
do Brasil, em Nova Iorque, onde o Ministério
das Relações Exteriores,
de cuja estrutura fazemos parte, tem
seu órgão financeiro no
exterior. Do ponto de vista das relações
com a comunidade, meu desejo é tornar
a figura do cônsul mais acessível.
Quero transformar este consulado numa
casa mais transparente e mais eficiente
para todos aqueles que nos procuram.
Avdv– O senhor foi nomeado
embaixador pelo atual presidente da República.
Este é o ápice da carreira
de um diplomata, não?
KO – De fato,
eu fui nomeado Embaixador, isto é,
Chefe de Missão
diplomática, e promovido
a Ministro de Primeira Classe, ou seja,
ao último nível da Carreira
de Diplomata, pelo Presidente Lula.
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