Declaração à imprensa concedida pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita aos Países Baixos
Haia-Holanda, 10 de abril de 2008
Primeiro-ministro, amigos da imprensa brasileira e da imprensa da Holanda,
primeiro, a minha alegria de voltar à Holanda como presidente da República, eu que vim muitas vezes à Holanda como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Segundo, dizer das possibilidades enormes que temos para construir novas parcerias.
Eu disse ao Primeiro-Ministro que o Brasil vive um momento muito especial. Um momento especial de combinação de muitos fatores que há muito tempo não conseguíamos combiná-los: o crescimento do mercado externo com o crescimento do mercado interno; o crescimento da economia com inclusão social; o crescimento da economia com inflação baixa e, sobretudo, a combinação do crescimento do mercado externo, o crescimento do mercado interno e a criação de um mercado de massas, fazendo com que a economia brasileira atingisse uma pujança há muito tempo não conhecida.
Mais importante é que nós temos uma parceria estratégica com a Europa, e mais importante é que vamos nos encontrar em dezembro deste ano, no Brasil, para que possamos aprofundar essa parceria estratégica. Além dos interesses habituais nos investimentos na indústria, ciência e tecnologia que temos mantido, nós queremos aprofundar com a Holanda a discussão sobre os biocombustíveis e a participação de um país extraordinário como este em parcerias com o Brasil.
Todo mundo sabe que a União Européia decidiu, até 2020, introduzir 10% de biocombustíveis na sua matriz energética. Todo mundo sabe que o
Brasil tem um potencial extraordinário de biocombustíveis mas, muito mais, de etanol, e, agora, estamos começando com o biodiesel.
E nós sabemos também que essa nova matriz energética pode ser a esperança de um modelo de desenvolvimento para países, sobretudo africanos, latino-americanos e asiáticos. É só olharmos o Haiti, hoje, e nós poderíamos saber quanto benefício nós poderíamos causar ao Haiti se países ricos e países emergentes, como o Brasil, pudessem fazer parcerias para investimento em terceiros países e produzir, no Haiti, aquilo que o mundo rico precisa, de novos combustíveis.
Certamente, estou no começo da minha viagem à Holanda. E, certamente, vamos ter conversas com empresários hoje, vamos ter conversas com empresários amanhã. Tem muitas empresas holandesas já investindo no Brasil e, certamente, acompanham o que está acontecendo no nosso País.
E eu quero regressar ao Brasil, Primeiro-Ministro, com a certeza de que a nossa viagem possibilitou um grau a mais de confiança da Holanda no Brasil, e do Brasil na Holanda, para que a gente possa fazer crescer ainda mais a parceria histórica que nós já temos.
É com essa convicção que eu tenho certeza que voltarei para o Brasil, eu e os meus companheiros, certos de que nós iremos produzir muito mais parcerias, muito mais investimentos do tanto que nós já temos.
Muito obrigado.
Jornalista: (inaudível)
Presidente: Desde o final do ano passado que nós temos acompanhado o crescimento da inflação em vários países do mundo, seja na China, seja no Chile, seja no Brasil, seja em outros países da Europa, há uma pressão de determinados alimentos que está fazendo com que a inflação suba em alguns países.
Há uma razão totalmente explicável e compreendida: os pobres do mundo começaram a comer. Tem mais chineses comendo no mundo, tem mais indianos comendo no mundo, tem mais brasileiros comendo no Nordeste e na periferia do País, tem mais latino-americanos comendo, e tem mais gente, de outros países pobres comendo, tem mais gente na África comendo. E tudo isso aumenta a pressão por alimentos. O que nós precisamos é produzir mais.
No caso do Brasil, por exemplo, dois produtos, feijão e leite, representam hoje, em uma inflação de 4,5%, representam 0,7% da inflação. Ou seja, dois produtos representam 0,7%. Se não fossem o feijão e o leite, nós teríamos a inflação a 3,8%. Ora, dois produtos que nós temos competência para produzir em maior escala. Agora mesmo tivemos um problema de seca em Irecê, na Bahia, que vai nos dar um problema, outra vez, com o feijão. Mas é um produto que em 90 dias você planta e colhe, portanto, é um produto, que nós podemos dizer, não pode continuar causando problemas à inflação brasileira.
Eu estou convencido de que o mundo precisa produzir mais alimentos. E não me venham com o discurso de que é o biocombustível que está causando aumento dos alimentos. Não me digam isso. O que está causando, e isso é bom, isso é que nem, mais ou menos, a longevidade: todos os sistemas de pensões no mundo estão se queixando de déficit mas, ao mesmo tempo, todos estão felizes porque o ser humano não morre mais aos 60, não está morrendo mais aos 70 e está vivendo até os 80. Isso é ótimo para a humanidade. Deve ser ruim para as previdências sociais do mundo inteiro, que se queixam.
A questão do alimento também é boa por isso. Ora, se o motivo da inflação que está acontecendo é porque milhões de pobres do mundo, que não tinham acesso à comida, estão tendo acesso à comida agora, significa apenas o seguinte: nós precisamos produzir mais alimentos.
No caso do Brasil, nós vamos resolver esse problema com muita facilidade, porque nós temos, dos 851 milhões de hectares de terra que tem o Brasil, 400 milhões de hectares são terras agricultáveis. E eu acho que nós temos, portanto, só de terras que eram pastos, que estão degradadas e que podem ser recuperadas para a produção do que nós quisermos, nós temos, aproximadamente, 60 milhões de hectares, ou seja, mais do que muitos países do mundo têm, na sua totalidade.
Eu confesso a você que esse não é um problema. O problema maior é o seguinte: é um chamamento ao mundo inteiro. Primeiro, todos nós precisamos dar graças a Deus que o povo está comendo mais e que o pobre está tendo acesso à comida. Isso é uma alegria imensa. A segunda, é uma outra alegria: é que se todo mundo voltar a produzir um pouco mais, a gente vai ter mais riqueza, mais empregos e menos inflação. Nenhuma relação.
Jornalista: (inaudível)
Presidente: Veja, eu não sei se a Holanda será julgada na ONU, por conta de material pornográfico, se foi essa a pergunta feita para mim. Eu, pelo menos, não tenho nenhuma informação de que a ONU vai julgar a Holanda.
Porque é importante para a imprensa brasileira. A pergunta do jornalista holandês, ele perguntou se – pelo menos foi o que o intérprete me disse – se a Holanda ia ser julgada na ONU. Agora, com a resposta do Primeiro-Ministro, é que eu entendi perfeitamente bem o problema. Ou seja, nós tivemos um problema de pedofilia praticado por dois holandeses, no Brasil. A Polícia Federal tinha pego os passaportes dos dois holandeses, o consulado holandês deu dois passaportes novos para os dois, e eles, via Paraguai, vieram embora para a Holanda.
Já há um pedido de reconhecimento e de desculpas da Holanda, com relação a esse comportamento do consulado. Ontem, me parece que houve o julgamento, e um foi condenado a 17 anos. Nós não temos acordos de extradição. Significa que, aproveitando a presença do Celso Amorim, aqui, e,
quem sabe, do Ministro das Relações Exteriores da Holanda, é preciso que a gente faça um acordo jurídico para o aperfeiçoamento da cooperação judicial entre os dois países. O Ministro da Justiça da Holanda e o Ministro da Justiça do Brasil vão conversar para ver qual o encaminhamento que podem dar.
A única coisa que eu posso afirmar para vocês é que a pedofilia é inadmissível, seja ela praticada por brasileiros, por holandeses, por japoneses, por chineses, ou seja, é inadmissível. Portanto, as pessoas têm que ser punidas de verdade. Ninguém pode cometer um crime de pedofilia e achar que não fez nada. É grave. É grave no Brasil, é grave na Holanda, é grave em qualquer lugar do mundo, porque é uma violência muito dura contra crianças.
Ouça aqui a entrevista