Voltar à página inicial
TEMPO NA HOLANDA
Tempo na Holanda
TEMPO NO BRASIL
Patrocine esta autora anunciando aqui
Compre livros do Brasil e receba-os em sua casa!
COLUNAS
Denise Parma é piaiuense, atualmente mora em Purmerend e representante da REBRA(Rede Brasileira de Escritoras) na Holanda. Gosta de livros, poesia e pintura. Escreve histórias infantis. Obra Publicada: O Desafio de Aileen, infanto-juvenil, Editora Scortecci, São Paulo,2004. 


Meu vizinho

Denise Parma


Não sei como ele se chamava, mas vou chamá-lo de meu vizinho. Na verdade, ele seria mesmo meu vizinho, o vizinho da frente, se não fosse pelo canal que separa as nossas ruas. Não sei nada sobre ele, sequer conheço o seu rosto de perto. O certo é que me acostumei a vê-lo ali, todos os dias. Sempre que me sentava ao meu bureau, ao lado da janela, e olhava para a rua, via-o à porta de sua casa, fumando seu cigarrinho ao lado da lixeira. Acostumei-me com sua presença como me acostumei às àrvores e aos carros estacionados do outro lado da rua.

Era consciente de sua presença, mas não lhe dava mostras disso; não o encarava, nem ele a mim. Fazia parte da etiqueta, observar-nos disfarçadamente, à holandesa. Ele era parte da paisagem, a quem eu consultava de vez em quando, procurando uma resposta. Fitava o nada, como ele, concentrava-me num ponto, fazia perguntas ao tempo. Teria ele encontrado já as respostas?... Não sei quanto tempo ele gastava ali, diariamente, indiferente ao clima. E, por falar em clima...

Admirei-me nas primeiras vezes em que o vi, enfrentando heroicamente o vento, com uma temperatura de cinco graus, como se não o incomodassem, as manhas da natureza. Perguntei-me muitas vezes o que o levava a tamanha atitude heróica. Seria a patroa alérgica a fumaça de cigarro? E ele, dominado pelo vício, mas sem querer agravar-lhe ainda mais o estado crítico, punha-se de pé à porta da rua, em meio a uma tempestade, fumando calmamente, como se cumprisse uma penitência. Ou seria ela uma dessas mulheres que impõem mil e uma regras ao marido? E ele, para conservar o que lhe restava do amor próprio, ferido em
muitos anos de imposições e resmungos desdenhosos, agarrava-se teimosamente ao que ela chamava de mal hábito, preferindo enfrentar a tempestade que submeter-se a mais uma proibição dentro de casa.

Sentei-me hoje, como costumeiramente, ao lado da janela. Porém, logo percebi que algo mudara. Senti um vazio, uma sensação estranha invadiu o meu espírito. Ao fazer o já tão costumeiro movimento em direção à rua, deparei-me com o seu lugar vazio.
Fazendo uma retrospectiva dou-me conta de que andei ocupada demais comigo mesma e com as palavras à frente de meu nariz que quase não tive tempo de olhar pela janela e observar a paisagem lá fora.

O que aconteceu com ele? Como não pude perceber a sua falta antes, se estava tão acostumada com sua presença? Estará de cama? Quem sabe, internado num hospital? Mudou-se para um asilo? Se não me engano, acho que ouvi-lhe tossir com mais frequência nos últimos tempos. Terá sido vencido pelo vício?

Tenho uma vaga lembrança de ter visto algumas pessoas adentrando-lhe a casa alguns dias atrás... Seriam os parentes que vinham dar os pêsames à viúva?

Minha paisagem já não é mais a mesma. Concentro-me agora no ponto da calçada, onde ele costumava ficar, e me faço ainda mais perguntas. Quanto às respostas, essas me faltam agora mais que nunca.

© Denise Parma 2004


Comente aqui:

Visite nossa página de anúncios classificados
Como chegar
Guia de mapas e transporte público
 
Colunas Anteriores
 
.: Importante :.
Todas as colunas são de única e exclusiva responsabilidade dos seus autores.
Suas opiniões não refletem necessariamente o pensamento da criadora do site.
Site criado e mantido por Márcia Curvo - Reprodução proibida ©2005 - Para sugestões ou anúncios entre em contato conosco.