Adaptação
Denise Parma
A maioria das brasileiras, esposas ou namoradas, na
Holanda, tem uma história um tanto parecida. Ajudadas por Santo Antônio, "santa Internet", ou por uma amiga que é uma santa, saíram de casa para tentar a vida por aqui ao lado do príncipe encantado, que, na maioria das vezes, é mesmo loiro e tem olhos azuis.
O processo de adaptação à vida do amado, dependendo da personalidade, da educação, ou, até mesmo da loucura da nova senhora, pode custar muitas lágrimas, discussões, situações constrangedoras, ou nada disso.
Os primeiros dias são maravilhosos. Ele tira folga do serviço e tem tempo para apresentar a nova patroa à família, aos amigos, mostrar-lhe a cidade e ensiná-la o trajeto diário que ele faz com o cachorrinho. Então a folga acaba, ele volta para o trabalho e ela fica em casa acompanhada por uma sensação de ser visita, não se atrevendo a tocar em nada, afinal, são
as "coisas dele". Muitas vezes, aquele cantinho do
guarda-roupa, gentilmente cedido por ele, não é suficiente para guardar o que ela trouxe e as malas no canto do quarto aumentam ainda mais esta sensação.
Depois, aos pouquinhos, ela vai perdendo a timidez e faz uma ronda pela casa, descobrindo outros lados da personalidade dele. É a fase da exploração dos armários. Aí ela dá de cara com bolachas velhas (casa
de homem, sabe como é... Não foi à toa que ele a procurou para cuidar desse departamento), fotos da família, ele quando bebê (que gracinha!), e até as fotos da ex, muito bem guardadas numa gaveta (ops!). Este é um momento delicado, pois, segundo ele mesmo, é apenas uma recordação de uma parte de sua vida que já passou. Mas ela não nasceu ontem e resolve então não arriscar, botando logo os pingos nos "is". Aí é que
entra a tal da personalidade, acima mencionada. As mais nervosas fazem logo um escândalo, conscientizando a vizinhança da presença da nova patroa. As mais calmas deixam para tocar no assunto mais para a calada da noite, na diplomacia do "é dando que se recebe". Dependendo do desempenho, vão-se as bolachas estragadas para o lixo, juntamente com as fotos da ex, e, no armário, sobra mais lugar para as coisinhas dela.
Então o tempo passa e ela sente vontade de rir quando ele chega em casa trazendo alguma coisa e pergunta:
- Querida, posso botar isso aqui?
© Denise Parma 2004
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