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Denise Parma é piaiuense, atualmente mora em Purmerend e representante da REBRA(Rede Brasileira de Escritoras) na Holanda. Gosta de livros, poesia e pintura. Escreve histórias infantis. Obra Publicada: O Desafio de Aileen, infanto-juvenil, Editora Scortecci, São Paulo,2004. 


Prettige Kerstdagen, mevrouw!

Denise Parma


 
- Dank u wel, mevrouw! Dank u wel! (1) - disse a jovem afastando-se ligeiramente. Após caminhar alguns metros, ela voltou-se e gritou para Maria:
 - Prettige kerstdagen, mevrouw!(2)
Maria agradeceu-lhe com um leve movimento de cabeça. Não queria chamar a atenção dos passantes que, curiosos pela exclamação da jovem, olhavam em direção ao ponto do bonde, procurando descobrir a quem ela se dirigia. Ser notada era o que Maria menos queria naquele momento, pois estava um tanto confusa pelo que acabara de fazer. 
 
Saíra de casa naquela tarde com a intenção de gastar o tempo e driblar as lembranças distraíndo-se com as compras no centro de Amsterdã. Mas, como sempre acontecia quando encontrava-se naquele estado de espírito, não encontrara nada que lhe agradasse, apesar do grande estoque das lojas. 

Estivera em quase todas as lojas da Nieuwendijkstraart, da Kalverstraat e na Bijenkorf. Os pés reclamavam da caminhada e do frio. A dor nas costas conscientizavam-lhe de que, mais uma vez, desatendera aos conselhos médicos ao trocar os tênis ortopédicos pelas botas de vaqueiro. Para não agravar mais a situação, resolveu ir de bonde até a Centraal Station(3), poupando os pés exaustos de mais dez minutos de caminhada.

A temperatura baixara consideravelmente. A cidade escurecera. Já era noite, apesar de ainda serem quatro horas da tarde. As pessoas pareciam estar com mais pressa e ainda mais curvadas dentro dos casacos, seguiam seus destinos. Apesar da luzes dos arranjos natalinos que enfeitavam as ruas, as vitrines iluminadas e chamativas e o neon dos anúncios, a cidade parecia ter mergulhado num clima de melancolia. Ou era ela que via as coisas assim naquela tarde?

Além dela, havia apenas uma jovem no ponto do bonde. A princípio, Maria não lhe deu atenção. Por que daria? Era apenas mais een gewoon hollandse meisje(4), com sua calça jeans apertada, o casaco curto e botas de salto agulha. Porém, após alguns minutos, percebeu que a mesma tremia muito. Maria estranhou aquele tremor. Seria por causa do frio? Duvidava. Nunca vira um nativo tremer daquela maneira numa temperatura de apenas 8o C .

Maria não queria parecer curiosa, muito menos se meter com aquela estranha, mas não conseguia desviar a atenção dela. Estaria ela doente? Se assim fosse, talvez estivesse precisando de ajuda. Quem sabe seria necessário chamar uma ambulância?
A jovem percebeu que Maria a observava e encarou-a interrogativa.
- Frio? - perguntou Maria.
- Nee. Ik heb een shot nodig.(5)
- Shot?! - pensou Maria consigo mesma. Admirada, pôs-se a observá-la melhor.

Ela parecia ter uns dezessete anos. Era magérrima e estava muito pálida. Não pode ver-lhe os braços, mas, depois de ouvir a palavra shot, soube estar diante de uma pessoa viciada em heroína. Sentiu pena daquela moça. Se estava ali, tremendo daquela maneira por falta da droga, era um sinal de que não tinha dinheiro.

Passaram-se alguns minutos e nada do bonde. Maria queria sair dali. A decadência daquela jovem lhe incomodava. Tentou manter-se indiferente. Não conseguiu. A jovem tornava-se cada vez mais inquieta, seu tremor aumentava, assim como o duelo interior de Maria.
- Não! Você não pode fazer isso! - gritou-lhe a emoção. Não lhe dê dinheiro para comprar drogas. Se fosse ao menos para comprar comida... Não queira ser cúmplice da decadência de alguém.
- Não seja tola! - retrucou a razão. De uma maneira ou outra, ela conseguirá a droga de que precisa. Se não lhe der dinheiro vai fazer como dezenas de outras na mesma situação, vai se prostituir para comprar drogas. Além disso, já está viciada. Negar-lhe dinheiro não contribuirá para que abandone o vício, assim, de uma hora pra outra.
A razão venceu e Maria meteu a mão na bolsa.
- Hoeveel heb je nodig?(6) - perguntou.
- Wat zegt u?(7) - A jovem parecia não acreditar no que acabara de ouvir.

Maria repetiu a pergunta e depois de ouvir a resposta entregou-lhe a quantidade necessária. A jovem sorriu-lhe, um riso triste e envergonhado. Agradeceu-lhe e encaminhou-se em direção à Centraal Station, onde, com certeza, encontraria um dealer.(8)
Maria a acompanhou com um olhar até perdê-la de vista.
Das vitrines das lojas, dos anúncios espalhados pela cidade chegavam-lhe mensagens de Compre! Use! Beba! Coma! a que se reduzira o Natal. A mensagem de amor entre os homens ecoava vazia, perdida entre as vozes do capitalismo.
 
1. Muito obrigada, senhora! Muito obrigada!
2. Feliz Natal, senhora!
3. Estação Central.
4. Uma simples jovem holandesa. 
5. Não. Eu preciso de uma "dose".
6. De quanto você precisa?
7. O que a senhora disse?
8. Traficante.


© Denise Parma 2006

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