Esquis e biquinis
Denise Parma
Dia da Rainha, Almere.
Basta falar em festa e a turma já está no ponto. Também, pudera! Com esse sangue latino a fazer folia pelas veias, não é pra menos. Mas, não era apenas a festa o que mexia com a cabeça da meninada, também a oportunidade de ganhar um dinheirinho extra. E festa melhor que o Dia da Rainha não há, para unir-se o útil ao agradável.
Meu telefone tocou cedo na sexta-feira: "Tia, vem pra cá no Dia da Rainha, vamos botar uma banca no centro. E a mãe vai fazer caipirinha". Mal amanheceu e a tia já estava lá, na estação, esperando o trem rumo à folia. A cabeça ainda meio zonza devido ao exagero no rosé na tarde passada com o amado. Será que botei tudo na mochila? Calcinha, escova de dentes, carregador da bateria do celular?... Não deu tempo de verificar direito pois o trem já estava chegando. Em algum lugar do cérebro uma luzinha vermelha avisou: Nada de correrias, não é bom correr de pernas bambas, ainda mais com um trem nas proximidades! Não ignorei o aviso. Esqueci a preocupação com a mochila e me concentrei ainda um tanto atordoada num ponto dentro do trem: a regra dos estômagos fracos diz para fixar um ponto dentro da condução em caso de enjôos.
Como se nada mais houvesse pra ser lembrado nesse mundo meu cerébro resolveu colorir tudo com a cor rosa do rosé. Ainda tentava me enganar dizendo ser "involuntariamente".
- Caiu da cama, tia? - Os olhos negros e lindos da sobrinha que as Terras Batavas me deram, olharam-me divertidos e interrogadores.
Ainda tentei responder, mas a bravata do meu estômago, que aguentara o percurso até ali sem fazer feio, chegou ao fim, e corri para o banheiro.
Saí dali jurando que nunca mais olharia para um rosé, nem tinto, nem branco, nem coisa alguma que me fizesse ficar novamente naquele estado.
- Tia, a senhora aprontou?
Minha amiga é mais que amiga, é uma mãezona. E como mãezona que é, entende de um bocado de coisa, inclusive de alguns remedinhos caseiros pra estômagos desafortunados. Depois de umas beberagens de sabores suspeitos, a calma retomou aos meus adentros e passamos a organizar a coisa para a noite que prometia ser divertidíssima.
Dividimo-nos em dois grupos: o batalhão de frente e a retaguarda. O batalhão de frente, composto pelos mais novos da turma, responsabilizou-se pela ida ao centro da cidade, segurar um lugar. A polícia parecia mais desinformada que os futuros feirantes de ocasião: Ninguém sabia dizer ao certo em quais lugares podia-se colocar ou não a tal da "banca". Enquanto isso, o telefone não parava de tocar no quartel-general:
- Mãe, nos mandaram sair de onde estávamos. É proibido vender alguma coisa lá.
- Mãe, temos que procurar um novo lugar, aqui também é proibido.
- Mãe, ...
- Mamãe já entendeu! Ligue de volta quando encontrar um lugar certo.
A licença pra caipirinha não saiu a tempo. Restou-nos o consolo de algumas Brisas. E, claro, a diversão. E bota folia nisso. Meninas novas, com sangue bom a correr pelas veias. Era uma cantoria, uma faceirice, um rebolar de cadeiras, coisa de moleca brasileira. Os machos aos arredores olhavam com olhos de gulodice, as fêmeas, com suspeitas.
Havaianas, cangas, biquinis, blusinhas brasileiras. Demorou, mas quando começou a sair, foi pra valer. Apareceu todo tipo de freguês. Até mesmo uma colombiana que, deslumbrada com "las hermanas brasileñas", comprou-nos quase o estoque inteiro.
Apesar de boa e barulhenta, a folia não causou lá tanta admiração - Brasil é sinônimo de folia e até o holandês menos culto sabe disso. As tias e as mães um tanto calibradas, tentando acompanhar a galera no samba, também não. O que causou mesmo admiração foram os esquis, tão fora de lugar naquele pedaço tão tropical.
- Mas o que tem a ver biquinis com esquis? - era a pergunta que mais ouvíamos dos passantes.
Nós, no entanto, ignorávamos os comentários, pois ignorá-los era mais fácil que explicar que no Dia da Rainha aproveita-se para dar um fim naquela parafernália que já não usamos mais, incluindo-se aí "esquis".