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AUTISMO E SEXUALIDADE
Falar de sexo ainda é um tabu, principalmente no que se refere à Educação Sexual dentro do lar, de pais para filhos. Não adianta ser liberado e dizer que falar de sexo é natural, pois as estatísticas mostram o contrário. Pais continuam tendo resquícios na abordagem com seus filhos adolescentes.
Qualquer pessoa bem informada sabe que a sexualidade é parte integral da vida e que não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é a energia que motiva a encontrar o amor, contato, intimidade e se expressa na forma de sentir, na forma das pessoas tocarem e serem tocadas.
A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, (inter)ações e tanto a saúde física como a mental. Apesar de polêmica, a Orientação Sexual nas Escolas tem sido uma fonte inesgotável de informações básicas sobre sexo para (pré) adolescentes no espaço educacional.
No colégio, são abordados temas relacionados ao sexo e, não raramente, os estudantes são estimulados a falarem e aprenderem sobre sexo, as sensações físicas e também sobre a parte emocional das relações sexuais.
Com um pouco de sorte estes adolescentes sentir-se-ão à vontade para discutirem o assunto também em casa, dando a oportunidade a seus pais de os conduzirem para uma vida sexual futura saudável e segura.
(PRÉ)ADOLESCENTES AUTISTAS E SEXUALIDADE
No entanto, como é desenvolvido este mesmo processo quando o adolescente tem um quadro de autismo? Como falar com um/a jovem autista sobre sexo? É possível? É necessário?… A resposta é sim, tanto é possível quanto extremamente necessário.
Adolescentes autistas são, em primeiro lugar, seres humanos saudáveis. Fisicamente, experimentam as mesmas sensações do despertar sexual quanto os adolescentes neurotípicos. Seus hormônios estão presentes e sim, haverá excitação (ereção) para os rapazes e excitação vaginal para as moças.
Assim como tais manifestações físicas são inéditas para o adolescente neurotípico, também o são para o adolescente autista. Com a diferença que provavelmente o primeiro grupo já tenha algum conhecimento da fase pela qual irá passar, e o segundo grupo não. O relacionamento com amigos do mesmo sexo, na escola, na vizinhança etc., possibilita as crianças que se desenvolvem tipicamente a terem uma ideia do que sexo significa – ainda que está ideia esteja longe da realidade. Já os que se desenvolvem atipicamente (autistas) geralmente não tem este relacionamento social na puberdade, o que faz com que muitas vezes ignorem o conceito de sexualidade por completo antes de um próprio despertar sexual.
Sendo assim é importante que pais e cuidadores em geral estejam aptos a anteciparem esta fase inevitável do desenvolvimento orgânico do adolescente e o prepare para tal.
Independente do grau de autismo, a instrução sexual deve ser possibilitada, de preferencia antes da primeira ocorrência (toque dos próprios órgãos genitais, ereção perceptível – no caso dos meninos – etc.) e da ansiedade e nervosismo que possam acompanha-los.
SINTOMAS FÍSICOS
O jovem autista de médio a alto funcionamento pode ser instruído verbalmente, do mesmo modo que outros adolescentes. Provavelmente as instruções do Orientador Sexual (professor, terapeuta, pais ou familiares chegados) serão cuidadosamente assimiladas por ele. O importante, no caso, é que ele/a entenda que o processo da excitação sexual é natural, não havendo o que temer. Começamos por explicar-lhes o funcionamento do corpo humano e assim como sentimos frio, calor, fome ou vontade de urinar, também sentimos excitação dos genitais, o que é distinto para cada ser humano em termos de frequência e intensidade.
Imprescindível é ensinar-lhes que a masturbação é normal, porém um ato privado, ou seja, a ser feito na privacidade de seus quartos/banheiro, ou qualquer outro local onde se encontrem sós.
Estipular um lugar adequado e, em alguns casos, também o horário mais conveniente para que o adolescente autista se masturbe, não é exagero e sim cuidado. Lembremos que muitos autistas sentem-se seguros com uma determinada rotina. Incluir a masturbação na rotina de um adolescente com autismo pode ser positivo e afastar o estresse que ele/a possa sentir durante os momentos de excitação sexual.
REGRAS
Outro fator extremamente importante é estipular regras, para que não venham a ser vítimas de abuso sexual ou demonstrarem comportamento sexual socialmente incorreto.
Adolescentes autistas, independente de seu desenvolvimento mental, podem ser ingênuos devido à sua natureza. Na falta de malícia podem tornar-se presas fáceis de pessoas de má fé – outros adolescentes neurotípicos, bullies ou adultos abusadores. Para evitar isso, devemos estipular regras nesta nova fase de suas vidas:
- -Pensar antecipadamente – seja proativo (“pre-ensine”);
- Ser concreto (falar sobre o pênis ou vagina, não os pássaros e as abelhas)
- Ensinar o adolescente a masturbar-se somente em casa e em lugar privado (quarto próprio, banheiro ou um local onde possa ter privacidade sem ser perturbado por outros familiares);
- Não permitir que outra pessoa (homem ou mulher) lhe masturbe, explicando que de outro modo é uma relação sexual e não masturbação – fique certo de que o adolescente entenda a diferença entre os dois tipos;
- Ensinar o jovem a não permitir que ninguém toque suas partes privadas, ainda que digam que irão ‘ajudá-lo/a’ a masturbar-se. Note bem que não basta dizer ‘somente com o seu consentimento’, pois se está fisicamente excitado, pode concordar em ser tocado por alguma pessoa de má fé. Esta será uma segunda fase da experiência sexual do relacionamento;
- Instruir o jovem para não tocar ninguém sem sua permissão, e caso seja mútuo consentimento, sempre em local privado;
- Ensinar que o toque dos órgãos genitais deve ser feito somente em local privado – não durante a aula ou sentado à mesa etc. Lembre-se de como o ensinou a não tirar meleca do nariz. Aqui vale a mesma regra!
- Redirecionar comportamentos inadequados. Por exemplo, se uma criança é susceptível a masturbar-se na sala de aula ou em público, dar-lhe algo para transportar ou armazenar, etc.
- Ser consistente e repetir várias vezes sobre a segurança sexual.
- Encontrar alguém do mesmo sexo para ensinar as noções básicas de segurança e higiene (irmãos, pais, avós etc.)
- Cumprimentar todo o comportamento apropriado, reforçando positivamente o que o jovem acaba de realizar corretamente.
Todo cuidado é pouco ao estipularmos regras com o adolescente autista. Tenha certeza que está sendo extremamente claro (concreto) nesse processo de instrução. Lembremos que em termos de sexualidade você não está apenas ensinando informações; você também está ensinando valores e competência social.
Adolescente com autismo mais severo:
Adolescentes que apresentam sintomas de autismo severo, e/ou com sua capacidade cognitiva afetada, necessitam de uma instrução mais concreta. Vale o uso de recursos visuais como pictogramas, para que entendam o que falamos acima, porém de modo visual.
Através de pictogramas e palavras (instruções) simples, podemos ensinar este adolescente que a ereção/excitação sexual é uma sensação boa, prazerosa e normal, mas os genitais não devem ser tocados em qualquer lugar da casa, por exemplo. Devem associar o prazer de tocarem seus genitais com a privacidade de seus quartos ou banheiro. Assim como muitos aprenderam a fazer suas necessidades ali, também irão aprender que sexo é privado.
Por meio de pictogramas com desenhos do pênis ou da vagina, das próprias mãos tocando os genitais, do local onde é esperado que estejam a sós e da sensação final de alívio, é possível que estes adolescentes mais desafiados pelo autismo também possam dar vazão à sua sexualidade.
SINTOMAS EMOCIONAIS
Pessoas com autismo não só podem relacionar-se sexualmente com um parceiro/a, assim como muitos o encontram como uma experiência extremamente prazerosa.
Conversar com nossos filhos ou pacientes autistas sobre relacionamento, não difere muito do jeito que falamos com nossos filhos neuro-típicos: quando a gente gosta de outro alguém, o sexo é muito melhor! Sentimentos como carinhos, vontade de ficar bem perto, antes e depois do sexo, é algo que autistas também experimentam – ainda que não seja regra.
- Fatima de Kwant é mãe de um jovem autista, jornalista e especialista em Autismo & Comunicação. Reside na Holanda há 31 anos, onde escreve textos sobre todos os aspectos do Espectro Autista.