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AUTISMO – UM JEITO DIFERENTE DE VER O MUNDO
Muitas vezes vemos um autista olhando “pro nada” e rindo. Pensamos do que e por que ele estaria rindo, já que não notamos nada engraçado a nossa volta. Pessoas autistas – crianças, adolescentes e adultos – percebem o mundo de um jeito diferente dos neurotípicos. Não melhor, ou pior, mas simplesmente de um modo distinto do da maioria. Sabemos que o processamento sensorial, no autismo, diverge do neurotípico. Os autistas veem, cheiram, ouvem, saboreiam e sentem o universo de uma maneira atípica.
Quando deixamos o preconceito de lado e observamos o autista, nos damos a oportunidade de aprender com eles. Preferências por formas, sabores e cores fazem sentido para eles. É tão óbvio que não saberiam explicar o por quê. Os autistas se importam mais com as sensações do que com explicações. Certo é que há de existir uma razão para tais predileções. A lógica autista transcende nossa limitada capacidade de compreende-la.
Anos após uma aventura no telhado da casa, aos 4 anos de idade e ainda não-verbal, um jovem rapaz autista explicava a sua mãe o feito: “O telhado do vizinho estava sendo reparado por pedreiros e eu queria fazer o mesmo no nosso.”
O autista de 6 anos que se arrastava no chão da casa dizia que queria ver o que a formiga via.
A menina autista que lambia o aparelho de televisão queria sentir se a língua ficava tão agradavelmente aquecida, como o toque das suas mãos em contato com a TV.
O adolescente que só ingeria alimentos pastosos dizia que as carnes, principalmente, faziam seus dentes doerem. E assim sendo, o menino que olhava para cima e ria, estava vendo anjos; a menina que chorava com determinadas canções, sentia a dor do cantor na sua voz (não no texto) e se emocionava; o adolescente que se fixava no rodar da máquina de lavar estava só meditando.
Os autistas não são loucos, tampouco estranhos. Tudo no autismo tem lógica. Nossa ignorância da síndrome nos limita a entender seu comportamento. Observa-los, sem julgá-los, pode abrir uma porta para uma nova dimensão em nosso parco, quadrado universo.
Se deixarmos o preconceito de lado e nos colocarmos no lugar deles, talvez possamos voltar ao tempo em que éramos crianças, inocentes, intuitivamente receptivos e ansiosos por aprender. A arrogância que acompanha nossa evolução (educação e aprendizado equivalendo sabedoria) nos limita mais do que, efetivamente, nos permite progredir. Quanto mais supostamente desenvolvido o ser humano, mas distante da sua essência ele se torna. Os valores, conceitos, normas e aplicação das regras sociais o formam. É normal. Os autistas, porém, estão protegidos desta doutrinação. São seres livres, puros, intuitivos e por isto mesmo se dão o direito de perceberem o mundo do seu jeito.
Não devemos regredir, não é isso. Uma sociedade progressiva necessita de normas e valores para sobreviver. No entanto, podemos, sim, questionar nosso próprio comportamento. Temos sempre razão? Nossas ações são sempre adequadas? E se estivermos tão arraigados a nossos valores a ponto de não vermos o óbvio – o que os autistas veem. Devemos verificar a possibilidade de, em determinadas situações, reaprendermos a sentir mais e pensar (julgar) menos.
Nós, os neurotípicos, estamos constantemente ensinando nossos autistas a se integrarem às nossas expectativas. Talvez valha a pena que tentemos nos integrar às deles, de vez em quando, para variar. Não existe preconceito que não possa ser derrubado quando alguém mantém o desejo de evoluir como ser humano. Pois se existe um paralelo entre ambos “mundos” – neurotípico e autista – este é o amor, em suas várias manifestações. Aceitar a neurodiversidade é um ato de amor.