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Postado em 14/08/2017

Brasileiros na Holanda e o dilema de quem acabou de chegar

Colunista Fatima de Kwant
Autor: Fatima de Kwant é correspondente do Projeto Autimates na Holanda e disseminadora de informação sobre autismo na Europa. Mais colunas deste autor

O sonho de muitos brasileiros é morar fora do país. Com a crise política dos últimos anos, a vontade de deixar o Brasil é enorme. Afinal, “lá fora” tudo é melhor: 

  • As pessoas são mais educadas
  • O sistema de ensino é mais desenvolvido
  • Tem mais oportunidades de emprego
  • O profissional é valorizado
  • Tem mais segurança
  • Não tem a corrupção igual ao que se conhece no Brasil

Quem chega à Holanda para morar, arriscou no sonho. Alguns entraram para viver num lugar que não fosse o Brasil. Outros, seguindo um amor. Há os que, simplesmente, têm simpatia pelo país. Seja qual for a motivação, o brasileiro migrante pagou para ver. Parabéns, pois coragem é o combustível de qualquer objetivo.

Opa, beleza! País civilizado, chique, romântico… Ah, e as tulipas? Liiiiindas!O recém-chegado não cabe em si com a alegria das primeiras impressões. Parecido com a sensação de quem se apaixona pela primeira vez: tudo é lindo e maravilhoso. Tudo é diferente. Só que o “diferente” do pós-chegada, aos poucos, vai mudando de conotação.

O que antes era: 

  • Nossa, vou arrasar no inverno e ficar super elegante!
  • Gente, como os holandeses são educados…
  • Que idioma chiquérrimo!
  • Estou doida para conhecer as festas daqui!
  • Olha só como são civilizados no trânsito
  • Ahh, eu aprendo idiomas com facilidade…
  • O Natal, aqui, deve ser lindo…
  • Hummm…tem cada coisa gostosa na Holanda!”

Passa a ser: 

  • Caraca, que frio!!!…
  • Vou aguentar esse inverno, não!
  • Esses holandeses são muito sérios, muito fechados…
  • Ai, que saudade de falar Português…
  • Putz, olha só como eles brincam o carnaval, kkkk…
  • Por que ninguém usa a buzina do carro?…
  • Qual o problema de ultrapassar pelo lado direito??…
  • Idioma do cacete…não vou conseguir aprender nunca!…
  • Dois dias de Páscoa e dois dias de Natal? Pra quê? Eles nem são católicos?…
  • Esse tal de croquete não chega aos pés da coxinha. Por que eles não vendem coxinha??…

Isso, para quem acabou de chegar – vocês são felizes e não sabem. Quem é imigrante dos anos 80 (olá, muito prazer) são os heróis e heroínas que lutaram,incansavelmente, pelo direito de comprar feijão, farinha, amido, mandioca e Sonho de Valsa no país dos tamancos.  Pessoalmente, fiz campanha na rede de supermercados C1000 para que importassem guaraná (pois é, batam palmas para mim)!

No meu tempo (1985) não tinha NADA que lembrasse o Brasil: nem comida, nem carnaval brasileiro, nem churrascaria, e nem brasileiro! Impossível de imaginar hoje em dia, com essa enxurrada de conterrâneos na terra dos moinhos, mas é vero. Quando eu ouvia português do Brasil, saía correndo e grudava na pessoa: “Você é brasileira?…Que barato(expressão dos anos 80)!” Dava até medo na moça, principalmente quando era uma turista – devia pensar que eu queria era roubar a bolsa. Eu pedia telefone, endereço, convidava para ir tomar café na minha casa, etc. Vexame de quem estava desesperada para encontrar sua turma. Em casa(holandesa) era inglês direto. Não que meu inglês fosse ótimo, mas meu marido sempre teve uma paciência de Jó para decifrar o que eu falava.

Numa época sem internet, a gente tinha que engolir o choro quando morria de saudade da família. Telefone a 10 gulden(divide por 2,2 para calcular em euro)por minuto para desempregada como eu, estava fora de cogitação. Devo ter enviado umas 500 cartas para o Brasil, todas escritas à caneta. Até minha família e amigos receberem, levava no mínimo duas semanas. Quando meu pessoal recebia uma carta, as notícias já eram velhas. Era um vai e vem de tudo que tinha acontecido, sempre meio mês depois. Foi duas semanas depois que fiquei sabendo que uma vizinha tinha falecido, uma amiga tinha ficado noiva, a outra tinha tido o bebê. Rapidinho, rapidinho, só mandando telex (coloca no Google para saber o que é).Inveja branca de vocês da era do Skype e Facebook.

Bom, já dá para ter uma ideia da dificuldade da adaptação no passado. Apesar da situação ter melhorado bastante, ainda assim, muitos brasileiros encontram dificuldades na adaptação a esse país tão diferente do nosso: o idioma, a cultura, o frio, a falta da muvuca, da música de rua; de sair sem casaco, de chinelo no pé, para comprar pão fresco a qualquer hora do dia.  O fato de se ter uma formação universitária passa despercebido quando a gente abre a boca para falar. O nível do holandês sempre é mais baixo do que o da nossa língua natal. Passamos por pessoas simples quando somos altamente instruídas – ou o contrário, pois os holandeses não entendem bulhufas(ainda se usa?) do que falamos.

É quando chega a pergunta que não quer calar:  Será que tomei a decisão certa?

Vou só dizer para quem acaba de chegar, para dar uma chance para esse país tão tolerante, que eu já detestei, mas aprendi a amar. Trinta e quatro anos de Holanda é mais que o dobro da minha vida. Voltar atrás, não dá. Desaprender o que aprendi a apreciar, tampouco. Aprendizado demorado, com perguntas que só o tempo responde. O choque cultural, agora, é quando volto ao Brasil.

Você, que está aqui há pouco, aproveite a chance de vivenciar situações que vão ampliar seus horizontes. Você vai ver, cheirar, provar, ouvir e sentir muita coisa impossível de ser experimentada em outro lugar. Não torça o nariz para o que (ainda) não entende – nem o idioma, nem os holandeses – suas manias e seus costumes. Um dia você vai entender, talvez gostar e apreciar esse país tolerante, que recebe tanta gente estrangeira.Uma terra cheia de gente corajosa que construiu espaço em cima da água, e nem por isso se acanha em dividi-lo com exilados e imigrantes de todo o mundo. Uma nação que abraça todas as diferenças, cores, línguas, religiões, deficiências e orientações sexuais.

Se esse dia chegar, vai ser o momento em que tudo vai fazer sentido, e você vai se lembrar o porquê de ter aceitado o desafio da mudança. Se a sua não for uma estadia temporária, aproveite as lições que vai aprender. Se for para sempre: abra o coração porque ainda vem muita coisa boa por aí!

Construa seu sonho a cada dia, com a mesma coragem que o iniciou quando saiu da sua primeira casa. O resultado sempre valerá a pena.