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Brasileiros na Holanda e seus filhos bilíngues
A coluna de hoje não tem nada a ver com autismo – meu tema favorito – mas com um fato recorrente nos papos que tenho com pais e mães de crianças de alguns brasileiros que vivem na Holanda. Pais que optam por falar ambos idiomas com seus filhos, a revelia dos conselhos de terceiros. Observo que sempre existe uma certa insegurança destes pais e mães, agravada quando um profissional aponta a sua opção como não favorável ao desenvolvimento de linguagem da criança.
Lembro que em 1994 fui chamada à escola onde minha filha mais velha cursava o groep 3 (alfabetização). A professora pedia para eu “falar mais Holandês com ela”. Preocupada, perguntei se minha menina não ia bem na escola. Felizmente a questão não era essa; ela era inteligente e acompanhava bem às aulas. Porém, o vocabulário não era extenso para a idade de seis anos. Acredito que a professora tivesse razão. Afinal, eu falava Português em casa, e havíamos acabado de retornar à Holanda depois de quatro anos vivendo em Madri, na Espanha. Minhas filhas eram halfbloed, como os holandeses chamam a quem tem um dos genitores de origem estrangeira. Pai holandês, mãe brasileira, e os primeiros anos de vida na Espanha. Sem dúvida, não é admirar que minha filha tivesse um vocabulário menor que o dos coleguinhas holandeses da mesma idade. Lembro de ter ficado nervosa. Mãe jovem se preocupa muito e eu não era exceção. O que eu não levei em consideração – nem a professora – foi que tal fato não deveria ser visto como uma desvantagem, mas ao contrário: crianças bilíngues têm uma tremenda vantagem em comparação com as não bilíngues, principalmentena adolescência e na vida adulta.
Quando a professora me informou da “deficiência temporária” (termo que ela empregou), o pânico materno logo computou a palavra “deficiência”. Acho que teria feito um mundo de diferença (e estresse) se o termo tivesse sido “inteligência verbal acima da média”. Afinal de contas, se eu fosse computar todas as palavras(em todos os idiomas!) que a minha pequena conhecia, ela teria mostrado saber milhares de palavras mais que seus coleguinhas. Não foi o que eu pensei naquele momento, mas o que eu descobri depois de ver meus três filhos crescerem para serem multilíngues e multigetalenteerd(com talentos múltiplos), inclusive meu filho autista.
Apesar disso, o susto me motivou a procurar uma solução para esse atraso.No dia seguinte eu já tinha marcado uma consulta com uma fonoaudióloga da nossa cidade. Em seis meses, minha filha igualou o vocabulário considerado normal para sua idade e, com certeza, manteve o léxico que já tinha construído em Português e Espanhol. Final feliz.
Crianças que nascem ou crescem na Holanda, com um pai e/ou mãe estrangeiros, têm algumas dificuldades, sim. Idioma, cultura e costumes são os principais. No entanto, nenhum deles deve ser visto como desvantagem, como muitas vezes acontece. Muito pelo contrário. À medida que crescem, estas crianças desenvolvem *sinapses cerebrais que irão se expandir cada vez mais rápida e efetivamente, fazendo com que sejam capazes de compreender não somente os valores e conceitos de uma nação mas, pelo menos,o de mais de uma.
A linguagem é a base da Comunicação e da Interação Social. É através da Linguagem verbal – ou alternativa, como Libras e pictogramas – que uma criança aprende a pensar, compreender e externar sentimentos e opiniões. Quanto mais vasta esta capacidade, mais compreensão. Em sequência, quanto mais experiência múlti linguística, mais sentido do universo à volta, tornando a criança bilíngue/multilíngue não um cidadão brasileiro ou holandês, mas um cidadão do mundo.
Crianças brasileiro/holandesas são privilegiadas. Elas não “falam errado”. Podem ter um atraso temporário, mas que será superado com o tempo e a ajuda necessária. Crianças brasileiro/holandesas são criaturas dotadas, flexíveis e com potencial para se tornarem adultos bem sucedidos.
PS – *Sinapses Cerebrais = https://pt.wikipedia.org/wiki/Sinapse h