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Postado em 15/08/2013

Diferente, mas não menos importante

Colunista Fatima de Kwant
Autor: Fatima de Kwant é correspondente do Projeto Autimates na Holanda e disseminadora de informação sobre autismo na Europa. Mais colunas deste autor

Bom dia, gente do Brasil na Holanda!

Meu nome é Fátima de Kwant. Sou jornalista e escrevo artigos sobre autismo, uma síndrome que atualmente afeta o desenvolvimento de 2 milhões de brasileiros.

Recentemente, tive o grande prazer de conhecer a querida Márcia Curvo. Incrível como vivi décadas aqui na Holanda, sem conhecê-la. Pelo visto, tudo acontece na hora certa, assim como certas pessoas têm o momento certo de aparecer em nossas vidas. Gentilmente, a Márcia me convidou para escrever algo relacionado ao autismo, para os brasileiros na Holanda, o que faço agora, com muito prazer.

Antes de mais nada, queria me apresentar, contando um pouco da minha história, até chegar `a minha profissão atual, de defensora do autismo e escritora de textos inspiracionais.

Cheguei na Holanda em 1985. Era então muito jovem e começando a vida ao lado do meu príncipe holandês – há trinta anos encantado, por sinal. Juntos construímos um lar, de início simples, mas que aos poucos foi ficando com cara, coração e alma de casa. Duas filhas , doces e espertas, vieram acrescentar muita felicidade e amor `a nossa união. Mas foi só depois do nascimento do nosso terceiro filho, que aprendi as maiores (e melhores) lições de vida. Meu filho, Edinho, tem autismo. Ele não é ‘normal’, ou neurotípico, como dizemos na comunidade autista. Isso quer dizer que ele vê e experimenta (percebe) o mundo, de um modo diferente do nosso. Como assim?… Explico. Quando pequeno, meu filho não suportava o toque de qualquer outra pessoa que não fôsse o meu. Ele também não olhava nos olhos das pessoas, não atendia a chamados, e tapava suas orelhas com as mãos, toda vez que ouvia um ruído bem alto. Enquanto outros pequenos brincavam, ele preferia ficar num canto, girando as rodinhas de seu triciclo. Só comia alimentos de consistência mole, como mingau, farinha lactea, purê, e nada que tivesse que mastigar muito, como carnes, torradas e maçã etc. Meu filho também não tinha a menor noção de perigo. Se a porta da casa estivesse aberta, a primeira coisa que fazia era correr porta afora e, de preferência, direto para o meio da rua!… Nossa, quanto sufoco passamos! Aliás, foram anos e anos de sufoco. De lágrimas e de tristeza também. Até que um dia, algum anjo (azul, da cor do autismo) deve ter sussurrado algo no meu ouvido. Foi como uma efinania, num momento de divagação sobre a essência da vida: Se o autismo é para sempre e meu filhote não vai mudar, ou eu fico sentada, chorando e rezando por um milagre (o que também fiz, claro), ou encaro o problema e vou atrás do que possa proporcionar a ele, e `a nossa família, uma sensação de bem estar. Foi todo um processo, mas valeu a pena. Para isso, tive que me despir do meu ego (orgulho, vaidade, ilusões ) e pensar no que realmente importa na vida. Pra quem é mãe, só existe uma resposta: a felicidade dos nossos filhos. O que era bom PARA ELE, e não só para mim.Tudo partiu daí.

Meu filho hoje tem 16 anos. É um rapazinho inteligente, engraçado (humor de autista é o melhor tipo) e muito meu amigo. Em setembro vai entrar no ‘exame jaar’ do VMBO, que cursa num colégio que inclui alunos com autismo – 45% dos estudantes têm uma forma de autismo. Meu filho, que aos 3 anos foi diagnosticado como severamente autista, não só superou a maioria das ‘esquisitices’, como tem se revelado uma criatura sensível aos problemas sociais e de uma bondade incomparável. Porque o autismo é assim, um espectro bem vasto, com vários graus de intensidade: cérebro de cientista e comportamento de adolescente; criancas que nunca falaram, mas que escrevem livros; adultos talentosos mas que não conseguem interagir no trabalho, ou em relações amorosas. Tods diferentes. Todos únicos. Gente maravilhosa, que segue pelo mundo sendo desentendida. São vários exemplos.

Atualmente na moda, devido à novela brasileira Amor a Vida, o autismo vêm conquistanto seu espaço na televisão, jornais, revistas e nas redes sociais, principalmente. Enquanto há alguns anos atrás eu precisava explicar, em detalhes, o que era o autismo, atualmente quase todos sabem do que se trata, ou ja ouviram falar algo sobre o tema. E isso, gente, é sensacional para todos nós, autistas, pais de autistas, familiares, professores e profissionais, que vivemos esta realidade diariamente. Quanto mais informação, melhor. Quanto mais compreensão, melhor. Quanto mais tolerância, melhor, quanto mais inclusão…muito melhor!

Eu tive o privilégio de ter acesso à informações que foram imprescindíveis ao progresso do Edinho, no início da nossa jornada. Isso, somado ao fato de viver num país desenvolvido e com uma estrutura social favorável, foi extremamente importante para o desenvolvimento do meu filho. Fiz cursos, fui a congressos e workshops, li livros e me aprofundei nesta síndrome tão intrigante. Participei – e ainda participo – de fóruns na internet, grupos de contato, seminários e palestras. “Mãe de autista, vira especialista”. Aprendi muito e ainda aprendo, todos os dias, toda vez que converso com outros pais, ou com os próprios autistas. São muitos, muitos mesmo. Estão em escolas, nos nossos trabalhos, as vezes até na propria família. Todos são diferentes, uns dos outros, porém têm em comum o desejo de serem amados e compreendidos exatamente como são.

Se você ou algum amigo está sendo desafiado pelo autismo, consulte um profissional, faça os testes, informe-se sobre terapias, métodos e intervenções. Saiba que o que agora parece ser uma maldição, irá se tornar uma benção, um dia. Toda criança com autismo tem o potencial para se desenvolver e, neste seu processo de desenvolvimento, nós – os pais e terapeutas – aprendemos sábias lições. Aprendemos a amar mais, a ter (mais) paciência, mais tolerância e menos preconceito. E este valioso aprendizado, carregamos conosco por toda nossa vida.

Há 16 anos, entrei num mundo maravilhoso e diferente, que poucos (ainda) conseguem entender. E tenho o prazer de observar que, gradativamente, isso vai mudando. Eu, e vários outros compatriotas, amigos do autismo, estamos formando uma aliança de conscientização. São pessoas como eu, que acreditam num só mundo. Um mundo onde existe compreensão, respeito e inclusão da pessoa autista. Um mundo que deve dar um passo para o lado, deixando alguém passar; alguém que é diferente, mas não menos importante.

Obrigada pela leitura.
Amor & Luz