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Enxergando além do autismo
Uma das situações mais curiosas, são aquelas em que após contar que meu filho tem autismo, ouço as pessoas dizerem “Ahhh que pena…” ou “ Puxa, que chato…”, sempre seguido de uma expressão facial de empatia e solidariedade, o que e’ muito bacana…mas não e’ necessário. Mesmo. O autismo só’ enriqueceu minha vida e, consequentemente, a de todos `a minha volta.
A carga que a palavra ‘Autismo’ contém e’ tanta, que quase todos partem do princípio que Autismo é sinônimo de infelicidade. Autismo?… maldição, tragédia, catástrofe! Na verdade, divirto-me em perceber a expressão de surpresa quando, neste caso, lhes digo que não precisam (nem devem) ter pena de mim e de nossa família. Somos mais felizes do que poderíamos ser, se não tivéssemos a presença do nosso filho em nossas vidas.
Considero meu dever explicar paciente e carinhosamente a essas pessoas, que não é bem assim. Aprecio sua solidariedade e empatia, porém precisam saber que o Autismo também pode ser uma benção!
Através de meu trabalho, como defensora da causa do autismo na Holanda, motivando e levando inspiração às famílias, recebo muitas mensagens de pais de crianças autistas. Algumas histórias me tocam profundamente; em sua maioria, famílias que superaram a tristeza inicial, para gozarem da felicidade plena do amor incondicional por seus filhos que não são menos que outros, só são diferentes.
Esse conceito (amor incondicional) mudou de significado para mim, depois do nascimento do meu filho autista. Até então, eu achava que todo amor dos pais pelos filhos era incondicional. Afinal, fazemos tudo por eles e esperamos tão pouco… Sim, esperamos, mesmo que pouco, alguma coisa: que sejam saudáveis, espertos, que riam, que aprendam a sentar, engatinhar, andar, falar etc. Na verdade, nós (pais) impomos constantemente condições aos nossos filhos, mas nem sempre estamos CIENTES disso. É tão fácil amar o neném que ri de volta pra gente, que faz gracinha, anda, olha nos nossos olhos, fala ‘papai’ e ‘mamãe’; ou a criança que acaba de aprender a escrever e ler, que te traz um desenho feito no colégio, te traz uma florzinha, arrancada no parque e diz que você “ é a melhor mãe do mundo!”. Mais tarde, nos orgulhamos do nosso adolescente que acaba de entrar para a faculdade, arruma uma namoradinha, se forma, arruma um trabalho, casa e constrói uma família. Até mesmo quando nossos filhos neuro-típicos não se comportam conforme nossas expectativas, continuamos os amando… mas sempre esperando que mudem, o que acaba gerando conflitos, as vezes, já que muitos consideram isso como um sinal de que não são totalmente aceitos. Afinal, nem todo mundo faz uma faculdade ou se casa. Só que o segredo está no POTENCIAL de cada criança. Pois ainda que nossos filhos acabem não fazendo o que para eles sonhamos, eles PODEM (têm o potencial para) fazê-lo. Mas no nosso caso, a vida (Deus?) nos envia uma criança diferente, uma criança autista. Sem nenhum ‘manual de instrução e uso’, temos que fazer nossa cabeça dar um giro de 360 graus para entender como funciona sua cabecinha. E apesar do susto inicial e do medo por seu futuro, aprendemos a amá-la de um modo inimaginável para outros pais (sem um filho especial). Para eles, como deve ser difícil amar:
- aquele bebê de 1 ano que ainda não sorri;
- aquela outra criancinha de 2 anos que anda como um pequeno robô e não atende a seus chamados;
- aquela menina de quatro anos que não fala, grita e chora como um bebê;
- aquele menino de 6 anos que te bate, grita, se joga no chão, te deixando entre nervosa e envergonhada com os olhares curiosos de quem presencia um ataque de birra autista;
- aquela que você chama pelo nome e ela não te olha, e as vezes nem parece perceber que tem alguém por perto;
- aquela menina de 10 anos que passa cocô nas cortinas mais uma vez, ou tira a planta do vaso ou rabisca as paredes pela enésima vez, naquele minuto em que você foi ao banheiro;
- aquele menino de 12 anos de quem você precisa esconder a chave da casa, para que não abra a porta e fuja, ou pule da janela;
- o adolescente estranho, sem amigos, obcecado por um só interesse;
- o jovem que, apesar de inteligentíssimo, não consegue fazer amizades e é rechaçado pelos colegas de turma, por ser diferente.
Você, que pacientemente (ou as vezes nem tanto) recolhe todas as roupas que seu filho tirou dos armários, não ousa tirar um objeto que esta’ no quarto dele do lugar, vê as luzes do seu quarto serem acesas e apagadas 10 vezes, enquanto você coloca roupas (as cortinas com cocô?) pra lavar, é excluída de alguns círculos sociais porque seu filho não se comporta de acordo, troca fraldas durante mais de uma década, vira especialista em dinossauros, aliens e universo e tenta explicar para quem queira ouvir que não trocaria esta criança por NENHUMA OUTRA desse mundo… Parabéns: você conseguiu aprender o sentido do VERDADEIRO AMOR INCONDICIONAL.
Nós, pais de crianças autistas, vivemos uma realidade estranha e incompreensível aos demais. Se é melhor ou pior, isso varia conforme a capacidade de aceitação de cada um.
Como indivíduo e como mãe de um filho autista – tão ‘estranho’ quanto por mim amado – me recuso a ver o copo ‘meio vazio’. Meu filho, agora com 17 anos e recém formado no Segundo Grau, ensinou-me a ver que na verdade, o copo sempre esteve meio cheio, basta mudar o ângulo pelo qual observamos o mesmo copo.
Abraços azuis.
Abraços de mãe.
Abraços cheios de Luz.