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Eu sou um ET!

Adriana van den Broek

Antes de morar na Holanda, eu achava que todo imigrante brasileiro que trabalhasse legalmente na Europa estaria com a vida ganha;  que morava num lugar seguro, ganhava bem e em euros, viajava para todo lado… Você,  que está aí no Brasil, também  não pensa assim? E você, brasileiro que mora na Holanda, não pensava assim antes? Vamos lá, confesse!

É a típica história do "só vê os whiskies ( porque eu sou fina e não tomo pinga ) que eu tomo, mas não vê os tombos que levo". Não quero aqui nem falar dos assuntos mais que batidos: é frio pacas, o povo é "esquisito", ganha-se bem mas gasta-se bem, a língua não é nenhuma maravilha, a comida é sem graça, não se acha empregada doméstica e quando se acha não dá para pagar, é difícil achar emprego, morre-se um pouquinho a cada dia de saudade da família, etc etc e etc.

Quero falar da sensação de não se pertencer a lugar nenhum, de ser um ser intergalático, um marciano, um ET! Fui ao Brasil em dezembro do ano passado, quase dois anos depois de me mudar para a Holanda. Ao chegar, aquela sensação de alívio, de ter chegado ao lugar que pertenço, mas aos poucos é uma rua aqui que mudou de mão, um restaurante alí que fechou, a vizinha solteirona que casou, e você percebe que a vida ali continuou bonitinha mesmo sem você. No supermercado você nunca viu tantas marcas novas, produtos desconhecidos, e sua noção de preço já não existe. Na TV um monte de caras novas e novelas cujo enredo você ignora. E você já reparou como os vasos sanitários são tão baixos? Frequentemente em meio à conversas você ouve um: ah, mas você nem se importa com isso porque não mora mais aqui. Ou então: você não estava aqui, não sabe como a situação dos hospitais, ou escolas, ou qualquer coisa piorou ( ou melhorou ). Começa a se formar dentro da gente uma pontinha de qualquer coisa, uma sensação ligeiramente familiar de não se encaixar totalmente.

Você volta para a Holanda com aquela esperançazinha de que finalmente algo lá dentro de você vai perceber que seu lugar é mesmo aqui. Mas nada, nenhum clique. As pessoas continuam reservadas demais, a língua ainda soa estranho, o haring ainda não te apetece. Mas que raios, nem bem cá, nem bem lá?

Vira e mexe me deparo nos blogs e orkuts da vida com a palavra "brasilandesa". Será isso que eu sou então? Nem brasileira, nem holandesa? Ao invés de sem-teto, uma sem país? Um ser mutante?

Comigo não, violão! Sou Brasileira. BRASILEIRA, não é nem com letra maiúscula, é inteirinho em caixa-alta, se possível em negrito com tracinho em baixo. Sou brasileira porque bebi muito guaraná Antarctica, masquei muito chiclete Ping-Pong, brinquei de Susi e meu irmão de Falcon olhos-de-águia, usei muita Conguinha na pré-escola, aprendi a ler com a cartilha "Caminho Suave", assisti Sítio do Pica-Pau amarelo, sei a letra inteira da "Dança do Passarinho" e requebro igualzinho ao Gugu e a Marriete, me emocionei com a Fafá de Belém cantando o Hino Nacional na campanha "diretas já", chorei quando o Senna morreu, dirigi carro a álcool ( e pelo menos uma vez enchi o tanque de gasolina por engano ), e se gringo vier me falar que o Maradona é o melhor jogador de futebol do mundo vai ouvir poucas e boas.

Precisei viajar muito, ver lugares maravilhosos e outros nem tanto, conhecer gente de todo tipo, experimentar comidas estranhas, ouvir línguas tão diferentes da nossa. Precisei sentir na pele como pequenas coisas que nos passam despercebidas no dia-a-dia fazem falta quando se está tão longe por tanto tempo. Foi longa a minha jornada em busca desse orgulho que hoje tenho em dizer: sou Brasileira. E viva o fim da crise de indentidade!

 

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