A Batalha
Adriana van den Broek
Será que um dia a batalha acaba e a gente vence a guerra?
Saio de casa para trabalhar às 6 da manhã. O humor, que normalmente já não é dos melhores, fica tenebroso quando além de escuro, está frio e chovendo. E aí, quando eu menos percebo, já estou pensando no carrinho confortável que eu usava para ir trabalhar todos os dias, no sol brilhando logo de manhã, na temperatura confortável e daí vai para todas as outras comodidades que eu tinha no Brasil e não tenho mais aqui. E no fim, essa "onda de pensamentos" sentencia: "bem mesmo eu estava é no Brasil".
Mas será? Eu tinha sim um ótimo emprego, mas até quando? Quem está seguro no seu emprego hoje em dia no Brasil? Quem aqui não conhece histórias de pessoas com ótimos empregos que são demitidos, demoram séculos para arrumar outro emprego e, tem que vender carro, casa, passar por dificuldades, se desesperar? Então quem garante que eu não seria também uma dessas? A verdade é que eu demorei a encontrar meu emprego por essas bandas, é longe pacas, mas eu me sinto bem segura aqui, já na empresa do Brasil, tinha sempre o "fantasma do corte de pessoal" rondando.
Isso sem falar que, pelo menos em São Paulo, estava cada vez mais frequente ouvir que alguém sofreu um mini-sequestro, ou coisa pior. Como tirar da mente o que aconteceu com o menino bonitinho da empresa terceirizada, que num sábado de tarde, em plena luz do dia, foi abordado por um assaltante no carro, e no susto deixou a embreagem escapar, e o assaltante achando que ele ia reagir, não hesitou em atirar. O menino morreu na hora. Será que não poderia ser comigo um dia? Aqui, reclamamos de ladrão de bicicleta, de batedor de carteira no trem, coisas que no Brasil parecem título de filme-pastelão italiano. Não tinha um que se chamava "o ladrão de bicicleta"?
Bom seria se ao mudarmos para cá, pudéssemos trancar as memórias da vida no Brasil num armário bem distante, de difícil acesso, levar ao pé da letra a expressão "começar do zero", mas quem souber o segredo de como fazer isso, por favor me conte. Porque minha mente insiste em me dizer que eu sou uma boa profissional, formada em uma boa universidade, que fala fluentemente 3 línguas, que tenho muito a oferecer ao mercado de trabalho holandês. Mas de vez em quando, sinto olhos que me vêem como uma estrangeira que não fala a língua fluentemente, que se formou numa faculdade que sabe-se lá que qualidade tem, que trabalhou 10 anos numa empresa famosa, mas quem garante que no Brasil a empresa de nomão imponente não é só um barracão de madeira, montando uns carrinhos da década de 60? De vez em quando esses olhos são tão penetrantes, que me fazem perder a convicção no que eu acredito, e tenho que travar uma batalha interna para que eu mesma não acabe acreditando nesses olhos.
De vez em quando me sinto tão cansada da batalha, que tenho vontade de gritar que eu já estou estudando a língua deles há bastante tempo, e que falo até razoável, que não sou eu que tenho que melhorar meu sotaque, são eles que tem que melhorar seus ouvidos preguiçosos. Quero gritar bem alto que eu não preciso fazer 20 aulas de volante para tirar outra carteira de motorista, porque depois de 15 anos dirigindo em São Paulo, são eles é que têm que aprender comigo. Queria urrar que manter o comércio aberto depois das 17:00 não dá câncer.
Mas então... Comecei a falar de uma coisa e terminei falando de outra. É que nesses dias de mente tumultuada fico assim mesmo, o anjinho do lado direito debatendo com o diabinho do lado esquerdo. Quem está vencendo? Boa pergunta!
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