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Buenos Aires, a capital do Brasil...

Adriana van den Broek

 

A primeira vez que notei que existem sim diferenças sociais na Holanda, foi a primeira vez que eu entrei no supermercado Aldi. Recém chegada e acostumada a comprar só no AH pertinho de casa, foi um choque pra mim ver aquele povo comprando 2 caixas de 30 ovos cada, 10 tetra-packs de leite, sacos com 10 quilos de batatas. Até então eu só tinha visto o holandês que, quando muito, faz compras para 3 dias no AH, tudo embaladinho em porções pequenas e bonitinhas, batatas em "sacolinhas" de papel ou já descascadas, ovos naquelas caixinhas de 4. Foi também nesses dois supermercados que eu mostrei para a minha mãe, turista de primeira viagem, que aqui tem sim gente menos "abastada".

Aqui na Holanda, sou fã de dois supermercados: o Lidl e o AH. O Lidl porque adoro ir olhando a variedade de coisas que se pode comprar com pouco dinheiro. E quase tudo que experimentei ali era bem gostosinho. Camarões temperados, tortillas de atum, salmão defumado para o sanduíche, a listinha é bem grande. E gosto do AH porque apesar de mais caro, tem uma seção de comidas prontas e semi-prontas que quebra todos os meus galhos. O que mais gosto porém no AH, é a enorme gama de produtos de qualidade superior importado diretamente do país onde o item é especialidade. É a linha Excellent. Azeitonas da Grécia, tiramissú da Itália, salmão defumado com raminhos de dill da Noruega, chorizo da Espanha, e por aí vai. Eu, que adoro cozinhar, e que passei séculos no Brasil só imaginando como seria bom usar itens "originais" chego a dar pulinhos cada vez que vejo um produto novo com a listinha preta e prateada dessa linha do AH.

Há uns dois meses, lançaram a linha de carnes argentinas do AH. Caríssimos, os cortes vêm embalados a vácuo, em porções minúsculas, é aquele bifinho para ocasiões especiais ( só aqui mesmo pra um bife ser comida "de festa" ). Esse mês, na revista do AH, há uma matéria sobre a tal carne argentina. Começam falando da região dos Pampas, e eu pensando que região dos Pampas pode ser também no Brasil; que o bife gaúcho é muito bom, e eu pensando que bife gaúcho é bife do Rio Grande do Sul; e que o fornecedor Argentino do AH é isso e aquilo. Repetem milhões de vezes "o fornecedor argentino" deles. No fim da matéria, a foto do fornecedor deles mostra: Fazenda Conquista - RS - Prop. Raul Rodrigues da Silva. Peraí, Fazenda e não Hacienda? Da Silva argentino? RS??? Corri pro Google. A Fazenda fica em Bagé minha gente!!!! Bagé na Argentina????

Estou revoltada. Daqui pra frente, como vou confiar que a azeitona grega não veio do Chipre? Como acreditar que o tiramissú italiano não veio da Romênia? Bobeou, o salmão norueguês, esse sim veio do Brasil! Mas o que me revolta mais é saber que para os europeus, Argentina, Brasil, é tudo a mesma coisa. Somos os "chicanos" e pronto. O "chique" é comer carne argentina, então vamos comprar no Brasil que vende carne da mesma qualidade por preço menor, e vamos falar que é da Argentina porque quem é que está se importando? É tudo "lá embaixo". E eu não acredito que tenha sido um "erro de pesquisa jornalística", porque quem quer que tenha passado os dados para o jornalista que fez a matéria, sabia pelo menos o endereço do fornecedor, e Bagé é bem longe da "região de Buenos Aires", como diz a revista. Foi mesmo descaso.

Que tal a gente dizer que a princesa argentina deles vem na verdade de Bagé, Rio Grande do Sul? Não é tudo a mesma coisa?

Já escrevi uma carta para a revista mostrando o absurdo deles, e dizendo quão desapontada eu estou. Não que eles vão se importar, mas calada também eu não posso ficar. E daqui pra frente, não comprarei mais nada no AH só porque eles dizem que o artigo deles vem "diretamente do país X", porque já vi que isso é tudo balela. A ilusão de que a minha deliciosa tortilla espanhola era especial porque eu colocava pedacinhos de chorizo Excellent ( em teoria, diretamente da Espanha ), já não existe mais, então vai o chorizo normal ( e muito mais barato ) mesmo. Os canapés de salmão noruegues agora serão feitos com salmão do Lidl, e o azeite italiano vai ser substituido por aquele que estiver na promoção.

Agora eu pergunto, pra que mentir? Se o jornalista falasse que a carne deles vem da região dos Pampas na América do Sul, gringo nenhum iria pensar que a carne é brasileira. Pampas e América do Sul pra eles é sinônimo de Argentina. Agora quando vierem me perguntar onde se encontra carne brasileira, vou responder que o Makro ainda é o lugar mais barato para se comprar um bom bifão da terrinha, mas que se dinheiro não for seu problema, ali na esquina, no Albertão tem carne brasileira legítima. É só não ler a embalagem.


Scan da Revista Allerhande - AH, número 11, 2006

 

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