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Arnild Van de Velde
é de Salvador, de onde saiu há 14 anos. Antes da Holanda, morou na Escócia e na Alemanha. Dedica-se ao jornalismo, à literatura, à execução de projetos culturais e ao estudo da "Ciência da Cultura"( Kulturwissenschaft), pela Universidade de Hagen(D).

Entrevista
Laurence Lamers: “Quero mostrar o outro Brasil”

Texto: Arnild Van de Velde
Fotos: Marcia Curvo


Convencido de que está fazendo o melhor para si, é para um número de telefone em Curitiba que o holandês Laurence Lamers disca,  quando precisa marcar uma consulta com seu dentista. Lamers, 41 anos,  acostumou-se à qualidade de certos serviços no que chama de “o outro Brasil” -  aquela versão do país que raramente atrai as lentes dos colegas diretores de filmes, já que se distancia da tradicional imagem internacional brasileira – a do samba, suor e pobreza. Naquele Brasil, pensa Lamers, há mais razões para  sentir saudades  do que na sua natal Amsterdã, uma das cidades mais festejadas do mundo.

 

Quando acatou a sugestão da mulher  e foi assistir ao filme O homem do ano - durante  apresentação deste no Festival de Cannes -   seu faro para o outro  tipo brasileiro disparou diante do ator Murilo Benício. O galã de telenovelas pareceu-lhe cool, discreto, imprevisível – espécie de anti-  ‘machão latino’, ou a figura perfeita para um dos papéis centrais de seu primeiro longa-metragem, Paid,  cuja premiére em noite de gala fechará o teatro Tuchinski, esta noite, dia 25/09, na capital holandesa.

Em entrevista ao site Brasileiros na Holanda  Laurence Lamers adiantou detalhes de Paid, que inicialmente entra em cartaz na Bélgica. Na Holanda, ainda sem estréia prevista,  o filme será exibido no Festival de Cinema de Utrecht, no próximo dia 2 de outubro.  Dez ingressos para esta sessão especial foram sorteados aqui no site. Fique atento ao site para participar do próximo sorteio de mais dez ingressos.

Avdv – Por que Murilo Benício, um ator de TV brasileiro,  revelou-se a melhor opção para o principal papel masculino em seu filme?

L.L -  Eu tinha escrito o papel que se chamava “um homem mediterrâneo”, embora já soubesse que um italiano seria inadequado para fazê-lo, por suscitar associações óbvias com a máfia, e eu não havia criado um mafioso. Também não poderia destinar a vaga a um ator francês, já que a atriz principal do filme é francesa. Neste caso, meu filme seria obrigatoriamente em francês, o que também não cabia em minha idéia original. Quando eu tentava vender o script de Paid, em Cannes, Sylvia, minha mulher, me disse que largasse tudo e fosse assistir ao Homem do ano(2002, direção de José Henrique Fonseca, premiado no Festival de Cinema Brasileiro de Miami, n.r.). Foi então que decidi a quem daria o papel de Michel – a Murilo Benício.

Avdv – Exatamente em quê, ele lhe pareceu tão singular?

L.L – Murilo  é um homem de poucas palavras. Longe das câmeras, ele é uma pessoa assim, como eu e como você. Mas, quando trabalha, transforma-se completamente. Ele é tudo o que não se espera do típico homem latino-americano: é low profile, sem contudo  perder a essência.  O Michel que imaginei é  cool, mas não frio demais. E é justamente essa a característica que faz de  Murilo o ator ideal para este papel.

Avdv – Seu  elenco é internacional.  A escolha de Amsterdã para cenário foi uma homenagem à sua cidade natal?

L.L – Quando pensei em fazer meu primeiro filme, pensei num filme com um orçamento pequeno. Bem, o orçamento de 1,5 milhão de euros não é tão pequeno assim...também queria começar em Amsterdã, justamente porque a cidade tem uma certa "aura criminosa", ela é pitoresca e parece muito agradável à primeira vista, mas, para além desta aparência, pode ser muito cruel. O filme conta a história de Paula, uma call girl francesa(Anne Charrier, n.r.), que está recebendo dinheiro para se relacionar com um barão das drogas inglês(papel de Tom Conti).  Ela então se apaixona por um dos sucessores dele, Michel(Murilo Benício). Os dois decidem abandonar o submundo do crime, mas há uma trama paralela envolvendo Michel e um certo Giuseppe(Guy Marchand), que o engajou como assassino de aluguel.  O curioso é que, quando escrevi o roteiro, o papel principal era o de Paula –  escrevi-o através dos olhos dela.  Mas Murilo e Guy Marchand, especialmente este último, foram tão fortes, que a história acabou mudando a favor deles.

Avdv – Seu filme é uma produção genuinamente holandesa… 

L.L – É uma longa história. O negócio é que eu escrevi um  roteiro em holandês, pelo qual se interessaram muitos produtores, mas nenhum conseguiu resolver a questão do financiamento, porque as emissoras de TV se recusaram a cooperar, embora eu tivesse um elenco formado por atores holandeses muito famosos.  Então pensei: ‘esqueça a Holanda, vou fazer o filme em inglês’.  Paid  resulta da adaptação de um outro roteiro meu para o inglês.

Avdv – e foi financiado por um único produtor, também holandês.

L.L – Eu havia feito um filme pequeno, chamado Jewel of Death, na época em que  ainda era estudante.  Foi por acreditar no meu talento que o produtor  de Paid, Sylvester Slavenburg,  decidiu investir no filme, sendo ele mesmo um empresário do setor da construção civil.  É possível que prossigamos em mais alguns projetos, quem sabe…

Avdv – Além de atores brasileiros, a trilha sonora também ficou a cargo de um brasileiro, Jaques Morelembaum.  Por quê?

L.L – Eu buscava um bom compositor, que não fosse holandês, por uma questão de gosto mesmo.  Não há a mínima sensualidade na música deles…(dos compositores holandeses). Eu pensava o tempo todo: “Eu quero um compositor brasileiro, eu quero um compositor brasileiro”. Fui apresentado a Jaques por amigos, e senti-me honrado por ele aceitar compor para meu filme.

Avdv – Quando a trilha sonora estará disponível no mercado? 

L.L –Ainda  não sabemos. Temos o direito de executar a trilha no filme(a canção final é interpretada por Paula Morelembaum, esposa de Jaques), mas o lançamento do disco está a cargo de Jaques. Estamos cuidando desta estratégia e o disco deve sair por um selo francês.

Avdv – Que há de tão especial no trabalho com brasileiros?

L.L – Os brasileiros são muito positivos, muito otimistas. Aqui na Holanda, é diferente: ninguém parece muito satisfeito com as conquistas alheias(ri). Se você diz: “Ah, eu consegui fulano para meu filme”, as pessoas olham com suspeita. Meu contato com o Brasil não é recente. Meu melhor amigo na escola era  filho de um exilado político brasileiro, que vivia aqui na Holanda. Como nada é por acaso, eu me casei com uma brasileira  e hoje ela é o meu elo de ligação com o país.

Avdv – Você fará mais dois filmes envolvendo o Brasil. Gosta particularmente do país?

L.L – Ainda não posso entrar em detalhes sobre os próximos projetos. Um deles, Play me the samba, abordará o romance entre duas pessoas maduras – uma aristocrata européia e um sambista -  que se reencontram 50 anos depois. O roteiro é  inspirado na música de Ataulfo Alves. O outro projeto, The Aquiver(para o qual está cotada a atriz Giovanna Antonelli)  tratará da escassez de água dos próximos 20 anos. Neste filme, eu quero mostrar o outro lado do Brasil; não o Brasil das favelas, da violência e da pobreza. Eu me sinto muito bem no Brasil. Na verdade, é muito difícil escolher onde morar. A mentalidade holandesa é de uma estreiteza e tanto…As pessoas dizem: “Oh, o Brasil é muito perigoso!”. Mas eu, eu só tenho coisas boas a dizer do Brasil.

25/09/2006

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