Viagem no tempo
Maria Bethânia S. dos Santos
Voltaria à minha infância e mostraria – in loco - ao homem que conseguiu me convencer que partilhar a vida com alguém era tarefa fácil, TUDO que - algumas vezes - exaustiva e entusiasticamente eu tento explicar a ele através das palavras.
Palavras, pobres palavras. Ainda que eu já estivesse fluente no holandês não daria conta de mostrar a riqueza de coisas simples e belas que me fizeram ser o que sou hoje.
Como explicar o gosto de goiaba verde? Ou da manga arrancada muito cedo do pé e comida com sal?
Como contar, sem chocar, a delícia que é correr nas enxurradas deixadas pela água da chuva?!?
Descrever como??! Aquela sensação de "atentar" os vizinhos tocando a campanhia de suas portas e sumindo rua abaixo ou acima.
Como falar da emoção infantil de ser anjo nas coroações de Nossa Senhora ?!?
É..
Este é um dos preços que pagamos quando o amor nos prega uma peça, fazendo com que a gente se interesse por alguém diferente da gente. E a partilha – que é um dos pontos essenciais da vida a dois – às vezes acontece assim...meio capenga. Ou algo que era para ser um simples comentário, vira uma conversa sem fim.
Aprendemos!? Sim – muito! Se tivermos paciência suficiente para justificar o quase injustificável.
- Goiaba verde!?!
- Sim!
- Mas por quê verde?
- Porque é gostosa, diferente e quando a gente é criança..é também uma "pequena infração" comer a fruta ainda verde.
- Mas, não faz mal?
- Não..só se você comer demais..vai ficar entupido
- O que é "ficar entupido"?
- Ai ai ai ai..é uma expressão para um problema intestinal..
- Que problema?
E aí a conversa é tão longa que você já nem se lembra mais qual foi a primeira pergunta.. Se há beleza nestas situações?! Sim, há. Mas, há também cansaço e um pouco de frustração, principalmente se você se esforçou muito..até achou que tinha conseguido passar "um poquinho" do que queria e aí...seu companheiro olha para você com aquela cara de: "Era isso!?", ou faz um pequeno comentário do tipo: "Eu heim..que coisa estranha".
Tem horas que você está pedindo a Deus para que, não só o seu amado, mas as pessoas todas possam lhe entender só pelo olhar, pelo tom da voz ou mesmo pelo não dito. Que saudade de ser compreendida sem precisar me explicar tanto. Mas, daí a uns quinze minutos a "ficha cai" e você se conscientiza que aprender a "ler o outro" não é tarefa fácil, precisamos nos envolver inteira e completamente, precisamos gastar tempo com isso; e quando estamos falando de culturas totalmente diferentes, onde os sinais não são tão óbvios assim - nem sempre o que parece é - não tem jeito mesmo..o negócio é conversar, conversar, conversar.
O consolo é que ainda temos muito por viver e – aos poucos – vamos construindo as "nossas lembranças" da "nossa vida" em comum. Se não vai dar para partilhar o gosto da goiaba verde, certamente partilharemos outros sabores que virão combinados com outras paisagens – bem apropriadas para o novo rumo que a vida tomou.
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