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Raphael Curvo
Advogado pela PUC-RJ e pós-graduado pela Cândido Mendes-RJ

 

O que fazer

Raphael Curvo

 

“Os funcionários da empresa trabalham praticamente por comida, vivem dentro das fábricas, cozinham lá mesmo, durante o trabalho, tem as roupas penduradas lá também e a noite puxam uns colchões e dormem ali mesmo, para no outro dia acordarem e começarem a produção novamente. Trabalham em torno de 16 a 17 horas por dia. Esta é a vida deles, praticamente um trabalho escravo”. Este é o depoimento que circula pela internet, segundo Marcelo Rehder do jornal Estado de São Paulo, de um executivo brasileiro do setor calçadista que esteve na Índia para uma visita a indústria do setor. São pessoas trabalhando em condições subumanas. Pessoas que perderam o direito a vida, ao viver.
Esta é a Índia, país emergente junto com a China, a qual não fica atrás na questão da exploração da força de trabalho. Entopem de produtos baratos e mal acabados, de péssima qualidade, o mercado brasileiro com sérias conseqüências à economia do nosso país. Desequilibram a balança de pagamentos e provocam sérios danos ao mercado de trabalho em nosso território, provenientes do afogamento do empresário nacional, resultante dessa enxurrada.

O que faz o governo ante essa constatação que há muito já lhe é de conhecimento? Será que não está aí a razão das nossas dificuldades financeiras? Eu até hoje não vi o governo federal abrir discussão a respeito da entrada desses produtos de qualidade precária, provenientes de trabalho escravo que transformaram um crédito brasileiro de 600 milhões de dólares há três anos em um déficit de mais de três bilhões de dólares nos dias atuais em relação a China. E está aumentando em velocidade espantosa. Os nossos produtos sofrem todos os tipos de barreiras no exterior. Exigem de nós milhares de observações sociais e técnicas para podermos participar de mercados externos. A vaca que der um espirro em Roraima traz conseqüências aos produtores do sul do país com fechamento de mercado para a exportação da carne. O nosso etanol sofre severas críticas como fonte de trabalho escravo e motivador da destruição de floresta. Qual a razão de não exigirmos a mesma contrapartida para aceitarmos tais produtos em nosso mercado?
Acredito que um dos motivos está em dar ao pobre o poder de consumir, de se sentir ascendente de classe social ao ter porcelanas chinesas mal acabadas, calçados indianos que se desintegram, roupas de cama e mesa com muito brilho, brinquedos que matam crianças intoxicadas, talheres de aço chinês que não resistem às esponjas na primeira lavada sem riscos. Eu mesmo fui vítima dessa armadilha ao comprar um produto na certa de que era brasileiro. Um selo muito camuflado denunciou a artimanha. Devia ter desconfiado do preço.

Não importa que o Brasil se desequilibre em suas contas. É o preço da satisfação momentânea e do voto iminente. A culpa da inflação não está no exterior. Está na falta de atitude em domar gastos de governo, de redução de crédito, de melhor política alfandegária, de competência na aplicação dos recursos, de ter pulso forte ante o mercado internacional, de entender e aceitar que somos pouco produtivos para competir em escala internacional, de reconhecer que em termos de alimentação o nosso problema é interna corporis por falta de uma política de longo prazo para a produção de alimentos e entre tantas outras faltas, de ter um projeto de governo.

Um projeto, entre outros pontos, que priorize a educação e a torne adequada às nossas necessidades e a visão de mundo. É preciso uma ruptura com o que aí está. A nossa juventude, há anos, está sendo levada a um abismo e muitas gerações serão necessárias para a recuperação do tempo perdido. Reserva de vagas não vai a lugar nenhum, é puro engodo. É o reconhecimento da incompetência do sistema educacional público. É levar o Brasil a um fosso tecnológico para, “heroicamente”, conseguir em 2022 chegar à média escolar que hoje, em 2008, aliás, há muito, se encontra a juventude do mundo desenvolvido. A dificuldade está no aluno ou no sistema? O que fazer? O povo não pode ter o governo que merece. O governo tem que estar acima desse merecimento.

04/07/2008       

 

 

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