Olhando por trás dos clichês
Daniel Duclos
Ao decidirmos aceitar a oportunidade de vir morar nas terras baixas, chuvosas e nubladas, eu confesso que sabia muito pouco sobre a Holanda. De bate pronto eu mandava a manjadíssima tríade de chavões tulipa-tamanco-moinhos, tirada de algum passado idealizado e remoto, hoje embalada para consumo de turistas desejosos de encontrarem suas expectativas, e não o país real. Se forçado muito, eu citaria duas cidades, talvez queijos, e, claro, a imagem cuidadosamente exportada de Amsterdam como Disneylândia para adultos, com meninas nas vitrines e cafés de maconha.
Chegando aqui tropecei, claro, não em clichês, mas no país de verdade, porque não há ilusão que sobreviva ao dia-a-dia de mercado, condução, contas e problemas práticos largamente ignorados por turistas e viajantes de telejornal (aqueles que vêem Globo Repórter e são especialistas sem sair da poltrona). Comecei a achar graça de minha própria ignorância, durante o lento processo de adquirir a habilidade de sobreviver em uma cultura diferente da que você foi criado, e que até outro dia acreditava não só a Certa, como na verdade a Única Possível.
Durante o meu processo de quebrar a cara e os preconceitos, o qual continua até hoje, aliás, eu me deparei frequentemente com o outro lado da moeda, ou seja, holandeses que, ao descobrir que sou um Braziliaan, mandaram ver na não menos manjada tríade samba-futebol-praia. Em alguns casos, quando acham que é seguro, o inescapável comentário sobre a mulher brasileira. E quer saber o mais irônico?
Enquanto um suspira pela idéia de ser servido embaixo de coqueiros por mulatas esculturais e outro por fumar maconha nas ruas e transar nos parques em plena luz do dia, ambos se ofendem em ouvir os clichês de seu próprio país! Como pode tamanha ignorância/arrogância, indignam-se, sem notar que fazem a mesma coisa de que acusam o outro. Ao lembrar aos dois que nem toda brasileira é bunda e nem todo holandês está puxando fumo e entrando em vitrines, paro para refletir que, no fundo, todos nós criamos imagens prontas sobre o que não conhecemos, a ocupar o lugar de um conhecimento mais aprofundado ainda por ser adquirido. O segredo é saber reconhecer estas imagens pelo que elas são, sem confundi-las com o país onde há mães, pais e irmãos a trabalhar, assim como há aqueles a pilantrar. Independente de como as pessoas pronunciam o gê, no fundo elas querem as mesmas coisas: pagar as contas, criar os filhos, ser feliz. E se olharmos bem, com muita atenção, por trás das tulipas, moinhos, tamancos e vitrines, podemos acabar encontrando algo surpreendente: nós mesmos, humanos e companheiros em um mundo bem maior do que pensamos.