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Daniel "Daniduc" Duclos é escritor e apaixonado por conhecimento. Já trabalhou como analista de sistemas e gerente de projetos em TI, pesquisador da USP em biologia e, depois, literatura brasileira. Morou brevemente em Vitória, onde por coincidência nasceu, Porto Alegre, Floripa e, principalmente, São Paulo. Atualmente vive, escreve e fotografa na Holanda.




O futuro e a catedral

Daniel Duclós


Andando pelas ruinhas, perdido olhando no mapa, não podíamos estar longe da maior atração turística de Milão, tanto literal quanto simbolicamente. Il Duomo di Milano, A catedral de Milão, estava perto, e eu estava curioso. Quer dizer, uma catedral é uma catedral, mas eu só tinha visto a da Sé, em Sampa. Catedrais européias são famosas.

Viramos a esquina, e a ruazinha estreita e despretensiosa desembocou na…

Catedral de Milão.

É díficil explicar o impacto que aquilo teve. Eu não estava esperando, eu não estava preparado pra Il Duomo de Milano. Meu queixo caiu, eu fiquei paralizado, no meio do movimento, olhando pra cima e depois de algum esforço e tempo consegui dizer, no auge da minha expressividade e criatividade:

- Uou

Eu nem vou tentar descrever – gente muito melhor do que eu o fez (Mark Twain sendo apenas um), mas eu vou te dizer um lance: esqueça, desconsidere as fotos e desenhos – eles são outro departamento. São legais, e são bonitos, mas são maquetes comparadas à cidade. Se é que me entendem.

Depois do Duomo de Milão eu fiquei meio fascinado por outras catedrais. Vi muitas outras, e ela nunca deixam de me impressionar. O que mais me move não é o tamanho, a imponência da obra, mas o tempo que muitas delas levam pra ficar prontas. A de Milão começou a ser construída em 1386 e demorou seiscentos e vinte e um anos pra ficar pronta. Seiscentos. E vinte. E um. Anos!

Muitas obras são antigas, e muitas obras demoraram bastante tempo, mas o lance com as catedrais é que elas são iniciadas por pessoas que sabem que não verão seu fim. Nem elas, nem a próxima geração. Nem a próxima. Nem a próxima.

Nem a próxima.

De fato, quando se inicia uma obra desse porte, não dá pra ter certeza de que, ao seu final, ainda existirá o seu país. Ou mesmo a sua cidade, ou o mundo. Ou a sua religião! Houve catedrais que deixaram de ser católicas e passaram a ser Protestantes. O Panteão foi construído como templo pagão pra Roma antiga, ao longo de uns 150 anos, e quinhentos anos depois não existia mais Império Romano, o paganismo dera lugar ao Catolicisimo como religião predominante na Europa, e o Panteão foi doado à Igreja Católica, e é um templo católico em uso até hoje!

Cada geração vem, e maioria delas, a maioria absoluta, ao longo de séculos, não viu o início e não verá o fim, mas mesmo assim trabalha pra completar algo monumental, unidos em um propósito comum, confiando que a próxima geração continuará o trabalho, até que eventualmente uma delas no futuro dará significado a isto tudo, completando a obra, nem sempre (ou melhor: quase nunca) da maneira pensada ou imaginada por quem iniciou, mas isso não é importante, na verdade, é parte da beleza disso tudo, cada geração alterar e dar sua interpretação, um tijolo por vez, para formar uma obra conjunta da qual a maioria de seus construtores não tem idéia de como será.

Não é que as catedrais sejam antigas – a Pirâmide de Giza foi feita em 2560 antes de Cristo. Mas ela foi feita em apenas uma geração. Não é que elas tenham sido construídas ao longo de gerações – a cidade de Amsterdam é um intricado complexo de canais, numa obra de engenharia impressionante construída ao longo de uns bons 700 anos. Mas cada geração fez o que precisou pra satisfazer suas necessidades imediatas, tendo utilidade imediata, podendo ser ali mesmo o fim da obra toda, a qualquer momento. As catedrais são um esforço concentrado em um fim, algo que só terá sentido pleno quando terminado, anos no futuro. Você trabalha não pra você, não pro seu uso, mas pro futuro, pra pessoas e um mundo que não se tem a menor possibilidade de imaginar como será (se erram previsões pro ano que vem!). E caso dali a quatro gerações, o que não é muito tempo na construção de uma catedral, mas é na vida humana, ninguém mais der andamento àquilo tudo? E se explodir uma guerra? E se vier um terremoto e destruír tudo antes, bem antes do fim? E se acabar o dinheiro? E se?

Não importa, o futuro ninguém sabe, e trabalha-se no presente, e pro futuro resta apenas… esperança. E essa mensagem é, mais do que religiosa, profundamente humana. Porque religiões variam, mudam, surgem e se extinguem, mas todas têm algo em comum: são seguidas por humanos, e se há algo que nos une, algo que nos define, esperança no futuro é certamente parte disso.


- 29/07/2009

 

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