Denot Medeiros, novo Embaixador do Brasil na Holanda
Texto: Clivia Caracciolo
Fotos: Marcia Curvo
A embaixada do Brasil na Holanda conta, desde maio passado, com um novo titular. No lugar do embaixador Gilberto Vergne Saboia assume o cargo, José Artur Denot Medeiros que tem 45 anos de carreira diplomática. Ele veio de Brasília onde esteve desempenhando o papel de representante especial do Brasil na Comissão para Desarmamento e não-proliferação (de armas). Anteriormente, teve mandatos na Embaixada de Berlim e em Montevidéu, onde foi encarregado de promover a integração dos países membros do Mercosul.
Aqui algumas opiniões do embaixador carioca Denot Medeiros e do que ele pretende realizar durante seu mandato na Holanda.
Brasileiros na Holanda: o que o senhor pretende fazer para incrementar as relações comerciais, culturais, políticas, econômicas e em outros setores entre o Brasil e a Holanda?
Denot Medeiros: As relações culturais, diplomáticas, políticas e econômicas entre o Brasil e a Holanda são ótimas! A prova disso foi a visita de Estado que o presidente Lula fez à Holanda em abril deste ano. Em outras palavras, foi o mais alto grau de visita que um presidente pode fazer a outro chefe de estado. São visitas com cerimonial apurado, cumpre formalidades, tem pompas e isso é muito importante principalmente, na Holanda que tem uma corte real. Foram cinco os acordos celebrados na ocasião: um sobre patrimônio cultural comum que contempla o Brasil holandês, no Nordeste e outros de cooperação na área de portos, de biocombustíveis, de educação e no setor de água. Em suma, a visita do presidente Lula foi um marco para a inauguração de uma nova etapa nas relações Brasil-Países Baixos.
Politicamente o Brasil e a Holanda concordam em várias áreas de discussão internacional. Por exemplo, dentro da ONU, os dois países têm posições parecidas na área de desarmamento, de reformas da ONU, de construção da paz e de direitos humanos. Em muitas outras áreas o Brasil e a Holanda podem estreitar cooperação e influenciar nos seus respectivos grupos, a Holanda na União Européia e o Brasil na América Latina, no Mercosul e na recém-criada Unasul.
Na área econômica, a relação entre os dois países vem desde o século XVII quando os holandeses chegaram ao Brasil, primeiro na Bahia, depois em Pernambuco, atuando na produção de açúcar. Agora na modernidade vimos companhias holandesas que já estão no Brasil há 70, 80, 90 anos, como a Philips que já está há 80 anos em nosso território. E a Holanda foi em 2007 o maior investidor internacional no país. Então, muitas companhias têm sua sede jurídica na Holanda pelas facilidades tributárias oferecidas, mas grandes filiais no Brasil, o que indica um enorme interesse de capitais holandeses no desenvolvimento econômico brasileiro e esta tendência está continuando. Altos executivos já declararam que querem continuar com esta aposta no Brasil, portanto as perspectivas são muito promissoras.
BnH: De maneira prática, o que pode ser feito para melhorar ainda mais as relações comerciais?
DM: Os dois setores privados se conhecem bastante porque fazem negócios aqui e no Brasil há muito tempo, estão trabalhando muito bem e de nossa parte devemos oferecer ainda mais facilidades para implementar esse trabalho conjunto. Isso é feito promovendo seminários, grupos de trabalho entre os dois governos de maneira que possam corrigir distorções de informação e promover a imagem do Brasil na Holanda. Um exemplo deste tipo de questão é a dos bicombustíveis em que se confunde a questão de biocombustível com a questão da crise alimentar e se esquece que o etanol brasileiro com base na cana de açúcar é diferente do etanol dos Estados Unidos produzido a partir do milho, da União Européia com base em colza (canola) e o da Ásia com base no óleo de palma. O nosso etanol é mais limpo, mais verde, e seguramente, não afeta no Brasil e nem em outros lugares a produção de alimentos. Então, falta informação e isso a gente pode tentar fazer algo para se corrigir estas distorções.
BnH: A inauguração de bombas com etanol brasileiro em postos de gasolina holandeses (um evento que o embaixador foi convidado para participar na ocasião da entrevista) já é resultado de correção a distorções de dados?
DM: O lançamento de um produto com 15% de etanol brasileiro (e não 5% ou 10%) na mistura para utilização em carros é uma tentativa de um importador holandês de introduzir no mercado da Holanda, e portanto europeu, um combustível alternativo. É uma tentativa pioneira, inicial, que vemos com grande satisfação e que é apoiada pelo governo holandês, isso que é importante. O lançamento é significativo como passo inicial para a aceitação crescente do etanol brasileiro na Europa.
BnH: E o que está faltando para o etanol brasileiro ganhar espaço no mercado europeu?
DM: Primeiro ainda será preciso muita cooperação de outros países europeus; segundo investimento no setor automotor para a adaptação de motores com maior grau de etanol no combustível e terceiro, naturalmente, legislação que incentive isso. Certamente será necessário mais entendimento entre as classes política e empresarial sobre as vantagens do etanol brasileiro e em função disso é necessário que seja permitido maior acesso ao mercado europeu para o etanol do Brasil. No momento existe uma barreira tributária muito alta que não chega a impedir, mas que não favorece a construção de um mercado. Essa tarifa alta na Europa, assim como a que existe nos Estados Unidos está em negociação na Rodada Doha, na Organização Mundial do Comércio.
BnH: Quais são as possibilidades de sucesso na derrubada dessas barreiras comerciais?
DM: O Brasil espera que essas barreiras, eventualmente, sejam derrubadas com o tempo e vai continuar insistindo na abertura do mercado para o etanol justamente porque temos a capacidade de produzir para a exportação e porque temos certeza que o nosso etanol é uma grande solução para a questão climática mundial, energética e de criação de empregos. É essa mensagem o presidente Lula tenta mandar em toda viagem internacional que ele faz.
BnH: Quanto à promoção da cultura brasileira na Holanda, já existe um plano para o seu mandato?
DM: A embaixada já tem e acelerou mais ainda nos últimos anos a promoção dos aspectos culturais brasileiros. Isso é feito de diversas maneiras, como por exemplo, o Itamaraty propicia verbas para artistas brasileiros virem se apresentar na Holanda. Apoiamos certas instituições com uma contribuição financeira que não é tudo que gostaríamos, mas é o que é possível de se fazer dentro das limitações do orçamento do Itamaraty. Mas, uma questão essencial na área cultural, no meu entender, é promover o patrimônio cultural do Brasil como um patrimônio comum com a Holanda. E esse foi um dos acordos assinados pelo presidente Lula em abril passado, aqui. O que muitos pesquisadores holandeses já me confirmaram é que a sociedade holandesa, em geral, tem menos conhecimento da nossa história comum, isto é, Olinda, Recife, Nassau, do que nós brasileiros que aprendemos na nossa escola secundária sobre estes fatos.
BnH: O que já está sendo feito para a promoção desse patrimônio cultural e histórico comum?
DM: Ainda há muita coisa a fazer, de qualquer maneira, muita coisa comum de resgate já está sendo feita com patrocínio de nosso Ministério da Cultura, pela Universidade de Leiden e outras universidades aqui que visam a traduzir, divulgar e publicar documentos do patrimônio comum que estão na Holanda. Escritos em holandês antigo do século XVII, são do tempo de Nassau e datam de 1630 a 1654, quando os holandeses estiveram no Brasil. É um trabalho penoso, longo, de levantamento, classificação, etc. Já se está no IV volume e isso é distribuído para os pesquisadores brasileiros das universidades federais que se dedicam ao estudo do Brasil holandês. Aqui são utilizados para seminários e outros fins acadêmicos.
BnH: O que por exemplo, os holandeses não sabem e deveriam saber sobre o passado Brasil-Holanda?
DM: É bom que os holandeses saibam que Recife, no tempo de Nassau, teve a primeira sinagoga das Américas, o primeiro jardim botânico, o primeiro jardim zoológico, a primeira ponte construída e projetada no Brasil, que as primeiras imagens das Américas foram feitas por artistas como Albert Eckhout que acompanharam Nassau. Já me disseram que o holandês de nível médio que vai até o Museu Mauritshuis pensa que esse Maurits é o príncipe irmão do Guilherme I e não sabe que é o “nosso” Maurício, o Conde de Nassau. Não sabe que essa casa ele começou a construir em 1637 com o salário adiantado da Companhia das índias Ocidentais (CIO), antes de embarcar para a aventura no Brasil. E terminou de construí-la quando voltou para a Holanda, em 1644, com o resto do salário que ganhou sendo o administrador, um executivo da Companhia. Aliás, a COI foi o primeiro empreendimento conjunto bem sucedido da história do mundo entre governo e iniciativa privada.
BnH: Como o Brasil, durante a sua gestão na Comissão para o Desarmamento contribuiu para o objetivo da Comissão?
DM: Eu fui por dois anos e meio, em Brasília, o representante especial nessa Comissão e ocupava a posição de Ambassador at Large, um termo em inglês, que é um representante fora da burocracia, mas que representa um país nessa área política muito ampla, em reuniões específicas, para cumprir mandatos, missões específicas. Eu era o presidente, em nome do Brasil, de um grupo chamado Supridores Nucleares que é um esquema de cooperação entre 45 países que têm programa nuclear. Dos participantes somente o Brasil, a Argentina e a África do Sul não são países desenvolvidos. Esses 45 países têm acordos de controle de exportação, de material, equipamentos e tecnologia para evitar a proliferação nuclear. Ou seja, é um instrumento que a comunidade internacional possui para fazer com que as transferências de materiais, combustíveis e tecnologia sejam, certificadamente pelos países exportadores, só para uso pacífico da energia nuclear.
BnH: mas, o Brasil tem usinas nucleares...
DM: No caso do Brasil, a importação de material nuclear é apenas para a manutenção dos dois reatores de Angra I e Angra II e eventualmente de Angra III, quando for construída. Mas, nada de construção de artefatos para uso militar, que é justamente isso que se quer evitar. O Brasil é um país que tem um passado certificado, aceito como um país amante da paz, que não tem e não faz inimigos. Há muitos anos renunciou a possibilidade de ter um artefato nuclear e hoje em dia só se dedica a contribuir ativamente dentro na comunidade internacional a evitar a proliferação nuclear e promoção do desarmamento nuclear.
BnH: Qual a opinião do Brasil sobre o polêmico programa nuclear iraniano?
DM: O Brasil reconhece o direito de qualquer país ter o seu programa nuclear desde que seja para fins pacíficos e defende sempre uma solução negociada sobre o impasse com o Irã. Tecnicamente, o problema é como o Irã administra as salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre o seu programa nuclear. O Brasil admite que o Irã tem que negociar com a comunidade internacional para retomar a credibilidade que ele perdeu porque durante mais de 18 anos desenvolveu um programa nuclear que não tinha salvaguardas da AIEA, em Viena. Então, Teerã tem que negociar salvaguardas satisfatórias e que garantam a manutenção da paz no Oriente Médio.
BnH: Para finalizar, como a comunidade brasileira pode contar com a Embaixada o Brasil na Holanda?
DM: Eu quero desejar muita felicidade a iniciativa do site Brasileiros na Holanda e dizer que a embaixada continua à disposição da comunidade brasileira para a qual nós trabalhamos e com quem queremos cooperar. Por favor, que nos procurem sempre que for necessário, na embaixada, na Haia.