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Gisa Muniz é naturalde São Paulo, capital, e mora há 18 anos na Holanda. Estudou Letras em São José dos Campos, São Paulo. Fez mestrado em  Lingüística na Rijksuniversiteit Utrecht. É diretora fundadora do  instituto de línguas Talent Talen, em Utrecht onde também atua como tradutora/intérprete de holandês, inglês e português e professora de  português e inglês. Escreveu para a série PRISMA  "Portugees voor  Zelfstudie" e "Basisgrammatica Portugees", Editora Het Spectrum,  Utrecht.

 

 

Sobras de tecido de sofá

Gisa Muniz

 


Recebi um texto por e-mail sobre o "vestido de tecido de sofá da Dona Marisa", com uma foto do Presidente Lula e sua esposa ao lado da Rainha Beatrix e uma foto de um sofá com a mesma estampa (ou parecida) que o dito vestido.

Eram comentários de uma colunista social, creio eu, chamada Carminha Ferreira (Quem é Carminha Ferreira?) que disse ter gostado da sobriedade e simplicidade da rainha, "discreta, simpática ao estilo real, sem abrir o sorriso." Ao mesmo tempo em que "elogiava" o Presidente Lula e sua esposa por não terem feito um sinal de positivo com o polegar, como costumam fazer nas fotos no Brasil. Um comentário tão pejorativo quanto desnecessário. E as críticas de Carminha Ferreira foram mais longe, desde o "chapéu coco reaproveitado de recente baile de carnaval" da primeira-dama até o fato do casal presidencial ter mostrado os dentes ao sorrir.

Mas quem vai comparar a Rainha Beatrix com o Presidente Lula? Ousar fazer tal comparação é sinal de superficialidade e ignorância. Sinal de que ainda há brasileiros com resquícios de mentalidade colonialista. O que não justifica, pois a nossa proclamação da república foi em 1889. Há quase 120 anos!

A Rainha Beatrix nasceu, logicamente, em berço nobre, foi criada com acesso a todas as possibilidades que o mundo possa oferecer a uma princesa, educada nas melhores escolas, educada para ser rainha, educada para tirar fotografia oficial sem mostrar os dentes...  E Lula nasceu no nosso Nordeste, saiu de lá pegando o pau-de-arara do êxodo rural para São Paulo. Lutou a vida toda, não teve, como muitos de nós, a possibilidade de estudar porque precisava trabalhar para comer. Como ousar comparar? Como?! 

Mas o interessante é que, mesmo assim, estão ali, a rainha da Holanda, Lula e Dona Marisa lado a lado, numa foto oficial.

A diferença entre eles é grande. Concordo com Carminha Ferreira. Mas diferença que eu vejo é que a rainha está na foto porque nasceu para estar lá. Representa uma mentalidade retrógrada. Um símbolo da desigualdade humana em pleno 2008. Porque, havendo nobreza, haverá, invariavelmente, plebeus. Havendo nobreza e plebeus, há uma silenciosa, porém inevitável, suposta desigualdade entre as pessoas, por mais que não se queira admitir.

E Lula representa justamente o contrário. Representa que o ser humano não precisa nascer em berço esplêndido para atingir o seu potencial máximo. Ele está nessa foto pelo resultado de muita luta pessoal e coletiva, muita persistência, evidenciando uma feliz mudança na mentalidade que reinou -  trocadilho proposital - por 500 anos no nosso país. Lula é um símbolo da igualdade entre os seres humanos! Está na foto porque foi escolhido democraticamente para estar. Foi eleito e reeleito e recebeu todo o direito de estar em qualquer foto oficial, sozinho ou com quem quer que seja, representando o que nós verdadeiramente somos.

O que a foto não mostra e Carminha Ferreira não comenta, provavelmente por nem sequer saber, é que Lula veio aqui para assinar memorandos e protocolos que vão expandir as fronteiras do Brasil. Que vão, entre outros, melhorar a infra-estrutura do nosso transporte, aumentando a capacidade de nossos portos e construindo hidrovias. Levando para o Brasil a tecnologia e logística inquestionalmente respeitadas dos holandeses na área fluvial e portuária, para que, em cooperação com os engenheiros brasileiros trabalhem num projeto que visa melhorar a navegação pelos rios, bem como a capacidade dos nossos portos. A foto não mostra que Lula veio 'defender' nosso país contra a crítica internacional que diz que o Brasil está investindo erroneamente na produção de biocombustível a partir de produtos como a cana-de-açúcar, querendo ditar o que se planta na nossa terra. A foto também não mostra que Lula veio com o propósito de diminuir a burocracia nas transações internacionais abrindo mais o leque de possibilidades de cooperação entre o Brasil e a Holanda e, por conseqüência, a Europa.

Não! Preferimos observar e comentar o mau gosto na escolha da roupa da primeira-dama. Optamos por nos ridicularizar a nós mesmos. Num masoquismo inconsciente. O brasileiro tem essa mania horrível de ridicularizar-se a si mesmo. Não vejo isso, por exemplo, na Holanda. O holandês pode até fazer suas piadinhas em suas próprias rodinhas sociais, mas no fundo tem muito orgulho de sua história, suas realizações, tecnologia, esperteza comercial etc. Enquanto nós, ao contrário, supervalorizamos o estrangeiro, a classe, o dinheiro, enfim, as aparências. Está certo que auto-crítica é sempre uma coisa boa, mas tem algo errado se a crítica é constantemente destrutiva e, no caso do "tecido de sofá", completamente desnecessária. Perda total de energia e de tempo. Falar mal é fácil. Qualquer um pode desenrolar um pergaminho venenoso sobre quem quer que seja. Mas conseguir ver a inocência do sorriso, do polegar para cima, apreciar as intenções, isso sim é difícil!
Hoje o tempo é outro. Temos mais capacidade e conhecimento agora do que em qualquer período da nossa história. Está na hora de procurar ver o conteúdo das coisas e não apenas a sua forma. Tenhamos menos maldade e melhores intenções. Paremos de viver de aparências. E mostremos, sim, os dentes ao sorrir!

03/05//2008

 

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