Jesabela

John Goes

Ela estava instalada numa cadeira oposta a ele na mesa do jantar e o olhava, acusando-o, com olhos cheios de dor. Irrequieto, ele se revirava na sua cadeira. "Não me olhe deste jeito", murmurou.

Vivíam juntos há 5 anos e jamais houve uma única palavra áspera entre os dois. Sempre ela esteve lá ao seu dispor, sempre pronta para acomodar os seus mais abestados desejos.

O seu nome era Isabela, mas ultimamente ele tinha começado a chamá-la de "Suína Porcina.", por causa dos seus ares inflados volta e meia, ares que ela exibia nos dias de intolerável calor. Mesmo assim, sendo perfeitamente objetivo e honesto, ele teve de admitir que ela conservava até hoje, depois de todos estes anos, a mesma aparência do que quando a vira pela primeira vez, nem uns graminhas a mais, nem uns a menos. Os seus peitos tão firmes quanto, o seu estômago, estômago liso mesmo e nada daquela barriguinha como as outras mulheres arranjavam com o  tempo: a sua cintura fina era como dantes. Talvez os seus cabelos louros tivessem perdido um pouco do seu brilho.
- "Bem", disse-lhe ele", Como sabe, nós, homens, temos que nos espalhar, espalhar as nossas sementes em campos diferentes. Somos biologicamente programados para nos sentirmos atraídos por outras mulheres. É a lei da natureza.

Não há como lutar contra. Portanto, é como eu já te disse: Acabou entre nós. É o ponto final."

Se ela ouviu, não demonstrou. O seu rosto impassível não revelou nenhuma emoção, mas algo de estranho nos seus olhos o perturbava.
Raiva, talvez? Raiva por ser largada de um dia para o outro? Desespero por ser relegada a um mero ornamento da casa? Ressentimento, possivelmente, por , apesar de ter sempre satisfeito os seus desejos desenfreados de um tarado, ser agora agradecida de uma maneira tão tacanha.

Ódio também estava nos seus olhos, provavelmente por ter sido usada e abusada todo este tempo e, com certeza, tinha um imenso menosprezo pelo homem cujos agarramentos dolorosos e beijos babosos e desajeitados ela teve de agüentar tantas vezes.

Não sabia ele exatamente com quais destes sentimentos ela o mais atingia,  qual o perturbava mais, mas sabia que já não podia suportar a maneira de ela, Isabela, o fixar. Trêmulo sob o seu olhar de intenso desdém, apanhou da mesa na sua frente a faca de cortar o pão, apertou a sua garra no cabo, se dobrou para a frente e enterrou-lhe a lâmina por debaixo do seu firme peito esquerdo, onde supôs localizar-se o seu coração. Ouviu-se apenas algo como um suspiro. Ela estremeceu e a sua cabeça rolou para o lado, os seus braços agora despencavam moles ao lado do seu corpo. Ele empurrou a sua cadeira para trás, se levantou e foi até a cozinha buscar um grande saco plástico, no qual constava em letras grandes:

                Conserve a Natureza
              Use para plásticos a serem reciclados
    Deposite nos contentores apropriados do município

Foi até ela e dobrou os seus restos murchos, os joelhos próximos ao abdome e os braços cruzados encobrindo o peito furado. Estando agora numa posição fetal, pôs o saco sobre ela e meteu-a para dentro. Fechou dando um nó e guardou o saco embaixo da mesa. Depois de limpar as mãos na calça, rasgou apressadamente uma embalagem de papelão que lhe tinha chegado naquela mesma manhã pelo correio e sacou-lhe o conteúdo que vinha completo com um estojo de reparos. Ligou agora uma bomba elétrica de ar e, muito exaltado, começou a encher uma nova da serie:                                      
                        “Ela, a mais bela’.
Depois da Gabriela, Italiana, Manuela, Filipina e Isabela, Russa,  agora sim, arranjou uma Brasileira, uma beleza de morena,  muito desejada já vai tempo, medidas 96-54-94, chamada Jesabela, US$ 29.90 , satisfação garantida ou o seu dinheiro de volta.

 

©John Goes, 2006

 

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