Pescoço
John Goes
Tinham se conhecido na Universidade de Wageningen, onde ela, num programa de intercâmbio, freqüentava o departamento de ‘Agrotecnologia e Ciências Alimentares ‘.
Ele se gabava depois aos seus amigos que teve a sorte de poder oferecer os seus préstimos a ela com uma bombinha de ar para encher o pneu da bicicleta dela que tinha furado e uma sorte ainda maior quando, afinal, o furo era grande demais para o pneu ser enchido.
Ele inventou então de se oferecer para levá-la à sua casa no único, mas muito exclusivo, meio de transporte dele ou seja na barra transversal da bicicleta dele e simultaneamente levava-lhe o trambolho da bicicleta dela, segurando-a na mão direita. Canja para qualquer Holandês que se preze.
Ela já tinha visto algumas pessoas sendo locomovidas assim e lhe parecia uma experiência muito singular para contar no Brasil depois.
“ Pois é, na Holanda é assim, todo mundo anda de bicicleta, gente. É normalíssimo dar carona de bicicleta e quando não tem garupa, o que eles chamam de arrtroppi, vai na frente mesmo, chamado ‘ vroppi’ ou falando devagar ‘ ‘voorop’. No seu entusiasmo de jovem de querer conhecer o mundo e de experimentar de tudo, menos comer cogumelos venenosos e segurar uma barata numa das suas pernas traseiras, ela aceitou sorrindo e com muita naturalidade, como se na sua terra transporte na barra transversal era o prato do dia também.
Conhecia ele já de longe e sabia que era do Departamento de Espermatologia, Seção da Contagem e Medição da Velocidade de Locomoção de Espermatozóides de Lesmas.
Ela não contava que este tipo de carona doía nas nádegas mas só que daquela vez ela nem notou, já que o Holandês era tão simpático, e vamos lá bonitão, mesmo, além de segurar o seu volante e o dela, pedalava com a sua cabeça quase encostada na dela, murmurando baixinho em inglês: ‘donde ela era mesmo?’ e dizendo-lhe que era muito bonita.
Coisas assim que só podem dar em uma coisa: namoro e depois casamento. E deu.
Era ela de Ceará, da capital mesmo. Chamava-se Eneida.
Que ela era linda, ela era. Uma das coisas que aumentava a sua beleza e elegância era o seu pescoço fino e comprido. Não parava ele de meter o seu focinho lá. Começando com beijinhos por trás da sua orelha, descia lentamente até o seu ombro, que era o ponto final nas primeiras semanas. Tanto elogiava o seu pescoço que ela fez questão de contar- lhe que nem todos na sua terra tinham este tipo de pescoço, já que de onde ela vinha era mesmo típico de não ter pescoço nenhum.
Havia uma certa vantagem em não ter pescoço, disse ela, já que quem não tinha, também não podia ter dor de pescoço. A ausência desta dor em grandes camadas da população diminuía bastante as filas do SUS nos hospitais do Nordeste do Brasil e assim as pessoas em vez de esperar 5 dias para serem atendidas nas urgências eram só 4.
“A ausência do pescoço se deve”, explicou ela, “ à mistura das raças de índio, branco e negro.” Contou que a falta de pescoço na população era tão comum que afetava todas as camadas sociais. Prova disto era que certa vez o General de Gaulle comentou para os seus assessores, quando se encontrou com o então Presidente do Brasil, o General Castelo Branco, que era originário de Ceará também, que ele, o Castelo Branco, não tinha cou. “ Il n’a pas de cou “, falou o general francês.
Explicou a Eneida que ‘cou’ em Francês era pescoço mas em Português, hehehe, era aquele lugar que doía tanto quando se ia no vroppi.
Assim o Gijsbert aprendeu duas palavras duma só cacetada : o ‘cou’ em Francês e a outra em Português.
John Goes , Julho 2007©
Comente
aqui: