As últimas da espécie
Luana Ferreira
No começo de abril, uma surpresa pelas ruas de Zwolle.
Várias vacas artísticas, em tamanho natural, pintadas por artistas da cidade, cada uma mais linda que a outra!
Então o tempo fechou mais uma vez e fiquei esperando o próximo dia ensolarado pra tirar fotos das minhas novas concidadãs. Foi então que se deu o ocorrido : Na calada de uma noite, uma delas foi decapitada. Nenhum sinal do vacocida. A cidade ficou em polvorosa.
No outro dia mais um ataque: uma delas tombou por se tornar perneta. No outro, mais uma bovina avariada, dessa vez pichada por um zwollense que levou a sério demais a interação com a obra de arte.
Depois dessa série de abusos, as autoridades resolveram tomar uma providência : colocaram câmeras para vigiarem as vacas restantes (!). Depois de dois dias, não sei como nem porquê, desistiram da idéia das câmeras e todas as vacas foram retiradas das ruas e levadas para um galpão não identificado para evitar represálias por parte dos criminosos.
Nas fotos, as últimas da espécie, fugindo para sobreviver!
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Nessas últimas semanas, vivi pelo menos três situações que poderiam ser resolvidas em cinco minutos e levaram horas porque não eram preto-no-branco, requeriam um pouco mais de atenção, conhecimento e/ou autonomia para serem resolvidas.
Ligar para alguma empresa ou instituição governamental para fazer uma pergunta ou reclamação é uma verdadeira odisséia, pelo menos três departamentos diferentes e repetições sem fim. E o pior de tudo é que pagamos caro por isso. E por minuto !
Tudo acontece mecanicamente, você já é atendida por uma voz robótica avisando que há trinta pessoas na sua frente. Depois de se relacionar mais alguns longo minutos com a secretária do robocop, finalmente gente de verdade. O que parecia ser o fim, é só o começo : telefonistas que não são estimuladas a lidar com o inesperado, a perguntar mais, a ajudar com qualidade. Ficam perdidas, repetem a mesma resposta mil vezes e escolhem pelo mais simples, que parece ser te irritar a tal ponto até que você tome a iniciativa de desligar. São treinadas para darem respostas prontas ao invés de resolverem problemas reais.
A história das vacas também reflete bem a incapacidade de lidar com os problemas não previstos. Projetou-se uma idéia linda, de vacas coloridas expostas ao ar livre, crianças felizes tirando fotos, tudo na mais perfeita paz e harmonia. Mas a realidade foi que alguns jovens, provavelmente bêbados, não tinham nada pra fazer e voltando de uma balada resolveram também inovar.
Colocar obras de arte na rua é estar sujeito a esse tipo de ação. É um espaço público, pertence à coletividade. E é normal que algo de imprevisível aconteça, uma vez que as obras são inseridas no dia-a-dia dos moradores; são novidade, despertam curiosidade. Aposto que depois de duas semanas a graça de cortar a cabeça e as pernas das coitadas acabaria. Péssimo pros artistas, claro! Mas é um risco desse tipo de intervenção.
A coisa desandou, tentaram controlar e, diante do inesperado, levaram as vacas de volta pro celeiro. As peças poderiam ter sido expostas em um museu, estariam pois, a salvo.
Há quem tenha se pronunciado sobre a estupidez dos responsáveis. Eu prefiro chamar de ingenuidade. Em todo caso, a cidade saiu perdendo !
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