ARRASOU BEIRÃO!!!!!
“Sou um repentista globalizado, um repentista moderno, um baião internauta. Tenho toda a influência deste mundo contemporâneo. Gosto de interpretar o cantador nordestino”
Por Margô Dalla
No maravilhoso Palácio de vidro, às margens do porto de Amsterdã, o Bimhuis abrigou um dos melhores shows já vistos nesta primavera “Amsterdaniana” –, Beirão e os filhos de Dona Nereide, se apresentaram naquele teatro com uma música irreverente “importada” do nordeste do Brasil.
O Bimhuis – Jazz&Improvisatie Musiek, com sua arquitetura futurista – um enorme volume construído dentro de uma estrutura de vidro - é um dos teatros preferidos dos aficionados em jazz de todo mundo com seu palco em “U”, mesinhas em diferentes níveis para assistir o espetáculo, uma excelente acústica e o show à parte - o fundo do palco em vidro formando um cenário de luzes refletidas na água.
Com a produção da Fundação “A Hora do Brasil” – que já apresentou no mesmo palco, artistas brasileiros como Tereza Cristina e o Grupo Semente, chorinho do Trio Madeira Brasil - nesta temporada do “Brazilian Summer Sessions 2008, nos presenteou com o belíssimo concerto de Beirão e os filhos de Dona Nereide – que nos remete às festas de São João, São Pedro, Santo Antonio com seus ritmos de baião, xote, xaxado, forró - e no dia 16 de julho, um show imperdível com Mart’nália – a filha de Martinho da Vila – uma talentosa cantora carioca.
O show começou com um solo dos músicos Rodrigo Marchevsky na sanfona, Jura Gomes no baixo acústico, o Francês Julian Favreville no sax tenor e clarineta, Samara no pandeiro, Nema Lopes na bateria, Ivan Seiler no triângulo que tocaram um forró/jazzístico – uma linguagem moderna que mistura vários ritmos do nordeste brasileiro, com o jazz. Logo após, entra no palco Beirão – com um chapéu de cangaceiro cantando uma canção que fez em parceria com Genésio do Tocantins e que foi uma das finalistas do festival da Globo “Computador tá no sertão/Computador tá no Baião – é a globalização” – um refrão gostoso entremeado por literatura de cordel - um tipo de poesia popular, cujos versos são recitados de forma melodiosa e cadenciados - uma figura, um artista cheio de carisma que domina o palco e a platéia.
Com uma capa amarela de chuva – muito usada pelos holandeses – continuou o show cantando Pavão Misterioso de Ednardo e explicou o que significa o pavão na linguagem do cordel – uma espécie de herói que leva a princesa para o paraíso. Cantando e tocando zabumba, apresentou, entre outras, “Pisa na Fulô” – um clássico nordestino. Continuando o concerto, chamou ao palco o holandês Kees Gelderblom, importante instrumentista, que interpretou ao violão, O Vento, O Mar, A Jangada voltou só de Dorival Caymmi, cheio de sensibilidade e criatividade. Também convidado a participar do concerto, o guitarrista holandês Hans Van de Heide – que arrasou com sua guitarra elétrica. De volta ao palco, veio com a camisa 17 da seleção holandesa escrita Van Persie atrás – uma homenagem ao time holandês que recentemente participou da Eurocopa de futebol. Durante o show, a participação do público foi intensa e o “maestro” Beirão, regeu com enorme intimidade, refrões da música nordestina fazendo da platéia, um belíssimo coral – “No mar ai ai...Na beira do mar ai ai..., eu vou navegar”. Apresentou também algumas canções de Jackson do Pandeiro, com seu jeito – sua performance – “baião internauta”.
Depois do show, Francisco Wellington Lúcio, o Beirão contou à reportagem do site Brasileiros na Holanda um pouquinho de sua história e trajetória. Saiu do Ceará para Brasília em 1966. Em 1978 começou sua carreira com o Grupo Cearazinho e depois, Soldados da Geb – isto tudo em Brasília onde acontecia um movimento musical de vanguarda com expoentes da música brasileira como Renato Russo e Cássia Eller – com a qual tocou – e os grupos Legião Urbana e Capital Inicial. Lá participou do “Projeto Cabeça” – um movimento forte de música que estava nascendo em Brasília e que teve Beirão como um dos precursores dos ritmos nordestinos como o xaxado, o xote, o forró e o coco, mostrando no planalto central, suas histórias e manifestações. “Foi uma época maravilhosa de grande efervescência cultural – eu cantava os ritmos do nordeste de forma contemporânea e o público delirava”, lembrou Beirão.
Final dos anos 70 e o Brasil vivia um grande momento musical com inúmeros grupos surgindo, festivais de música – um período de enorme criatividade e Beirão seguiu participando de todos esses movimentos, sem nunca deixar de lado suas raízes nordestinas. Uma herança musical de grupos como “O pessoal do Ceará”- cantores e compositores – já lançados no cenário musical brasileiro do qual faziam parte Belchior, Ednardo e Amelinha. Fagner também já era sucesso! “Eles foram meus ídolos - sou um pouco mais novo que eles, mas assimilei muita coisa desses grandes artistas que revolucionaram o cenário musical do Ceará. Sofri muita influência da música nordestina, da música brasileira como um todo – da universal – do rock. Sou da geração do rock de Brasília. Fiz canções baseadas na literatura de cordel. Nunca fiquei por muito em tempo em Brasília, mas também nunca fiquei muito tempo longe. Intercalava idas para lá com temporadas na Europa – é a quinta vez que venho à Holanda. Há 14 anos estive aqui pela primeira vez. Já toquei na Alemanha, Espanha, Portugal, Suiça. Trabalhei muito em prol da música popular brasileira e estou tendo o reconhecimento do meu trabalho na Europa. Sou um repentista globalizado, um repentista moderno, um baião internauta. Tenho toda a influência deste mundo contemporâneo. Gosto de interpretar o cantador nordestino”. Disse Beirão.
O concerto foi maravilhoso – ovacionado por uma platéia mais de holandeses do que de brasileiros – que o fez voltar duas vezes ao palco e aplaudido de pé. Quando perguntei como se sentia vendo toda essa manifestação positiva pelo show disse que: “Com esse concerto, eu faço praticamente um balanço de minha carreira – em todos os países por onde tenho passado, a reação de satisfação é a mesma. Isso muito me emociona, porque vejo o meu trabalho reconhecido e valorizado também por platéias internacionais. Antes deste show no Bimhuis, estive na Suíça e o público reagiu da mesma forma. Vou fazer ainda alguns shows na Holanda e depois volto para Brasília”.
Falou também que grandes talentos estão surgindo na música brasileira, mas que enfrentam enormes dificuldades com a indústria cultural para se lançar no mercado fonográfico. Sentenciou dizendo que “É preciso insistir muito para alcançar notoriedade – é muito trabalho e principalmente obstinação para chegar onde queremos”.
Como maiores ídolos, citou os mestres Jackson do Pandeiro, João Gilberto, Tom Jobim e Luiz Gonzaga – o inesquecível “Lua” – o pai de todo mundo, mas falou da influência do “Pessoal do Ceará”, da “Tropicália” de Caetano e Gilberto Gil e do movimento “underground” . Pink Floyd, RollinStones, Gordurinha, Zé do Norte, Alceu Valença, Zé Ramalho , de repentistas e emboladores e do Trio Nordestino – todos inesquecíveis e que vivem no “universo” de Beirão. Mostrou no show, que você pode cantar o “Coco” em forma de “Rap” e que não precisa ter um sotaque americanizado – “gosto de mostrar a fala, a cultura brasileira/universal – e isso eu aprendi em Brasília – uma cidade brasileira/universal/cosmopolita – com seus diferentes sotaques e estilos”.
E assim é o nosso país...”Um enorme caldeirão cultural” – somos reconhecidos por exercermos um enorme fascínio sobre as pessoas que conhecem todos os tipos de nossa cultura: seja ela ligada à música, literatura, dança, artes plásticas ou outras manifestações. Somos também conhecidos e reconhecidos pela gentileza e simpatia de nosso povo – e artistas como Beirão e os filhos de dona Nereide, só complementam essa visão que outros países têm de nosso povo.
Isso aí, Beirão! Leve cultura e fale de nosso país por onde estiver mostrando seu trabalho.
Beirão e os filhos de Dona Nereide terminaram o show com a música “Asa Branca” de Luiz Gonzaga – o Rei do Baião, com toda a platéia em pé e dançando. Um verdadeiro “happening” sobre as águas do porto de Amsterdã.