A Crise e a Comédia
Patricia Veltri
Meu filho nasceu. Uma das coisas mais maravilhosas que me aconteceram. Tanto assim que fiquei mais de um ano me dedicando a ele, a minha casa e a minha nova vida familiar. Virei uma mãe exemplar. Surpreendi a todos, principalmente a mim mesma.
Alguns dirão: Mas ter dado esse tempo é um privilégio! Sim, não nego, mas a outra verdade é que tudo tem seu preço e este caso certamente não é exceção.
Mas uma coisa andou chamando minha atenção. Atualmente existem muitos livros discutindo e tentando ajudar mulheres que sofrem de ‘depressão pós-parto’, um assunto sem dúvida sério e delicado mas achei curioso perceber que nada se diz para as mulheres que ficaram felizes da vida com o seus bebês, além, sinceramente bem além, do tempo permitido pela licença maternidade e que num dado momento começam a sentir uma espécie de tédio misturado com cansaço, uma insatisfação que vai se acumulando até um dia se transformar numa tremenda crise.
Não sei ao certo quando ou como é que aquele momento mágico da maternidade se transforma numa longa lista de questionamentos.
Comigo foi mais ou menos assim. Numa manhã, enquanto lavava o rosto, olhei para o espelho e brincando falei: Bom dia mãe do Tom! Dois segundos depois pensei: Haaam? Como assim? Não falo mais meu próprio nome? Me chamo de mãe do Tom!!!?...Pára tudo!
Senti um aperto no estômago, um amargo na boca e numa rapidez surpreendente lágrimas descontroladas escorreriam pelo meu rosto.
Chorava copiosamente e enquanto tentava entender melhor o que estava me acontecendo pensava: ‘Tenho um filho lindo, um marido que me ama, uma família onde estão todos bem… Como foi que de repente ficou tão difícil continuar sendo simplesmente feliz?
Por ter me acontecido desta maneira resolvi chamar a minha crise de a ‘crise do espelho’.
Os sintomas: Uma mistura de confusão mental e sensibilidade a flor da pele. Demorar para responder quando alguém pergunta casualmente ‘o que você faz’. Depois de ter respondido a primeira coisa que lhe passou pela cabeça foi sofrer dias com a certeza de que na realidade você não faz NADA e ficar mais confusa ainda porque para uma pessoa que não faz NADA você anda completamente sem tempo e exausta. Duvidar de todas as qualidades que você imaginava ter, todas. Saber a programação noturna da televisão quase de cor. Pensar o menu da próxima semana inteira no sábado de manhã. Ficar mostrando o retratinho do seu filho para pessoas que você nunca viu antes. Cumprimentar e bater papo com a caixa do super-mercado, de quem aliás você já está íntima, e por aí vai.
A coisa vai ficando feia e aqueles velhos truquinhos para dar uma animada não funcionam mais. Compra-terapia, sono-terapia, sexo-terapia, chocolate-terapia, terapia-terapia, nada, nem o fato de ter emagrecido uns quilinhos por causa da crise levantam o seu moral.
Foi assim que depois de assumir a minha ‘crise do espelho’ resolvi arregaçar as mangas e encará-la de frente. E com muita simplicidade pensei: a solução é voltar para a vida que tinha antes, ou seja, voltar a trabalhar, ganhar meu próprio dinheiro, ter novos amigos, falar de assuntos diferentes do que ‘a fralda de melhor qualidade pelo menor preço’, estar de novo na rua na hora do rush, sair do circuito máquina de lavar roupa, aspirador de pó, máquina de lavar louça, enfim ser uma mulher dos dias de hoje que tem filho, marido, casa, e trabalho.
Mas aconteceu o pior, a crise só aumentou.
Primeiro porque procurar emprego dá mais trabalho do que trabalhar em si e ainda por cima destrói o pouco que sobrou da sua auto-estima. Segundo porque você se sente tão frustrada que acaba pensando um monte de besteira sobre a sua pessoa, tipo: que não é tão capaz como imaginava ser, ou, suas aptidões e talentos são pífios, pior, que você está ficando velha para começar de novo e para dar uma aliviada, chega a conclusão de que no fundo você está bem assim, que talvez esteja até mesmo gostando da vida de dona de casa, que o melhor é desistir disso tudo porque afinal você mudou, você é agora...a mãe do Tom!!! Chorando novamente, porque não adianta, mulher chora mesmo, lembra que era exatamente esse o ponto inicial da crise.
Frente a enorme imobilidade dos problemas de repente mudar parece ser a solução para tudo. Mudar de casa, mudar de País, mudar de vida, mudar seu estilo de roupas, mudar de cabelo, mudar a alimentação, mudar de hábitos para no fim com a voz que continua a mesma se perguntar: mas porque eu quero mudar tanto? Eu só queria um emprego, certo?
No auge da minha estagnação hoje acordei e finalmente estava um dia lindo, ensolarado, passarinhos cantando lá fora, família toda de bom humor num café da manhã que mais parecia um reclame de sucrilhos… ai claro, tive mais um dos meus pensamentos bizarros.
Pensei, se a Terra e todos os planetas, astros e corpos-celestes giram, se os dias nunca são iguais, se nada nem ninguém é eterno e se a essência do Universo é movimento, então a ‘crise do espelho’ também há de passar, se transformar, virar outra coisa para depois virar de novo só mais um capítulo da história da minha vida. Ufa!
Continuo respirando a profundidade do alívio que esta simples idéia me trouxe, não que eu tenha resolvido meu problema mas ter mudado de ponto de vista foi muito renovador.
Continuo tentando fazer o que posso para chegar onde quero, pensando que num futuro ainda vou conseguir rir lembrando esses dias. Ou pelo menos rir de alívio porque eles se foram.
Confesso que continua difícil dar risada, sentir-se leve e simplesmente feliz com a vida; mas como tudo tem remédio ou remediado está, resolvi enquanto isso assistir umas boas comédias em DVD e ir recuperando o meu bom humor.
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