Estava escrevendo sobre a solidão e a vida moderna, um texto introspectivo quase filosófico quando a realidade dura e crua bateu na minha cara e disse: acorda mana! E nóis na fita!
Sou paulista, na verdade paulistana, nasci em Santos mas cresci e vivi trinta anos em São Paulo. Sou do tipo que fala com sotaque italianado e que ama a feiúra da cidade, o caos, o mar de prédios, a garoa, o Corinthians, os restaurantes, o rock dos Titãs, a deselegância discreta das meninas…
Não gosto de samba, amo cinema, uso biquini grande e sei comer com ‘hashi’. Em outras palavras ‘sou bem paulista meu’.
Por tudo isso senti um aperto no estômago e no coração quando li as notícias brasileiras esta semana. São Paulo foi subtamente rebatizada, seu novo nome, Bagdá. Chorei por dentro, de saudades e de tristeza.
Não quero escrever sobre política, não quero discutir sobre partidos ou governos, quero dividir a dor de ver de longe a minha cidade inteira, a maior cidade da América Latina, se esconder, esvaziar, silenciar, com medo da morte.
Não foi a primeira vez, 111 presos já morreram antes, acossados como bichos. Mas agora a guerra é guerra mesmo, nas ruas e a céu aberto.
Tristeza ficou pouco para dizer o que sinto. Revolta e indignação seria melhor.
Itamar Assunção, músico, poeta, paulista do Brás, já tinha avisado: ‘não há saídas, só ruas viadutos e avenidas’; só que nem ele nem ninguém nunca os imaginaram vazios, sem trânsito ou transeuntes. Inacreditável.
Mas sou do tipo que prefere acreditar, abrir os olhos, ficar desperta e atenta porque essa história não acaba aqui e não acaba bem, não tem como.
A desigualdade social, a má distribuição de renda e a discrepância de oportunidades dada aos cidadãos no nosso País podem soar como frases repetitivas, uma velha retórica sempre lembrada nos palanques, fácil de falar, difícil de transformar. Mas é o ponto nevrálgico, a ferida aberta, a bala perdida que continua matando toda beleza da terra e do povo.
As grandes cidades brasileiras descrevem o que talvez demore um pouco mais para acontecer no resto do País mas que será inevitável. O Brasil á um barril de pólvora, um fundamentalista que carrega as bombas no próprio corpo e que está prestes a explodir, está por um triz.
É preciso urgência, inteligência, flexibilidade, respeito e acordos.
Não dá para viver negando, fingindo não ver, porque o dia que o bicho pega, ele mata e depois come, ou melhor, devora, com uma fome de 1500 anos.
E não venha me dizer que é fácil falar quando se está rodeado de lindas tulipas e não lá, no jardim suspenso de Bagdá porque eu não vou cair nessa. A vida não é fácil para ninguém que queira levá-la com responsabilidade e respeito ao ser humano.
Pensar, se questionar, tomar decisões e agir, custa mais que blindar carros, colocar grades ou comprar uma arma. Custa tempo, o tempo que temos para viver a vida, a sua, a nossa, pois ninguém está sozinho aqui nesse mundo, certo?
Polícia e soldados nunca acabaram com guerras, sejam elas onde for, por isso mesmo não existe situação sob controle, só existe a natureza humana, caótica como a cidade que eu aprendi a amar.