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Patrícia Veltri - Em Santos nasci, em São Paulo vivi 27 anos, em Rotterdam moro desde 2003. Formada em Filosofia e Moda sempre gostei de misturar coisas que parecem não combinar e pensar várias maneiras de ver o mundo. Já trabalhei em cinema, televisão e revistas, como figurinista, stylist, editora de fotos, produtora e editora de moda.
Sou cheia de contradições, imperfeições mas me livrei dos defeitos porque depois de uma certa idade não temos mais defeitos, somente características.

Saideira

Patricia Veltri

 

Estava guardando minhas coisas depois da aula quando a professora disse: David e eu vamos num bar perto daqui, você quer vir também?
Hesitei. Depois tive o impulso de falar automaticamente: não obrigada, fica para a próxima… Mas a vozinha do grilo falante dentro da minha cabeça gritou: que respostinha mais padrão esta heim! Não tem nada melhor para dizer?

Pensei no meu marido, no meu filho, na minha casa… e achei que deveria voltar para lá. Como eu poderia sair por aí, me divertir, enquanto meu filho dormia profundamente e meu marido provavelmente estava feliz da vida por estar sozinho e poder jogar aquelas coisas estúpidas no computador,  sem se sentir ridículo ou culpado. Nenhum dos dois precisava de mim e eu, bem…eu não precisava voltar para casa coisa nenhuma!

Pensei mais um pouco e lembrei que meu marido é do tipo que acha saudável eu ter meus programas, meus amigos, afinal foi por essas e por outras que me casei com ele. Meu filho por sua vez, só iria me ver na manhã seguinte e não faria a menor diferença voltar para casa naquele momento ou a meia noite. Resumindo não era nada de mais aceitar o convite e meus amigos ainda estavam lá, me olhando com aquela cara de ‘você não vai dar aquela respostinha padrão de novo não é ?’
Deixei para pensar mais tarde o ‘porque’ de tanta hesitação e respondi decidida: Quero sim, aonde vamos?

Imediatamente passei a me sentir mais segura e feliz, resolvera sair do ovo, da rotina, da vidinha. Decidi trocar o feijão com arroz por uma cervejinha. Chegando lá, de cara percebi que realmente fazia tempo que não ia num bar, meus olhos lacrimejaram… de emoção? Claro que não! Da fumaça de cigarro!

Sentamos. Veio o garçom. Minha amiga, a professora, estava tomando antibiótico e pediu um suco de laranja, meu colega estava dirigindo e pediu uma cerveja sem alcool, numa mistura de choque e descontrole novamente quase desisti. Como assim, eles me chamam para sair, num bar e eu vou beber sozinha? Mas já estava lá, já tinha colocado três cadeados na minha bicicleta, ainda estava animada e confiante que ia me divertir e só de desaforo falei: para mim um uísque, por favor!

Conversamos superficialmente sobre vários assuntos, a cidade, as pessoas que conhecemos, as comidas que gostamos, os filmes em cartaz… até que chegou um momento em que alguém começou a contar uma história longa, meio desinteressante e eu desliguei. Comecei a olhar em volta e vi que apesar de fazer algum tempo que não saia a cena era a mesma de sempre.

Não faz diferença se foi ontem ou um ano atrás que você entrou num bar porque certas coisas nunca mudam. Uns procurando, outros querendo ser encontrados, uns acompanhados, outros solitários no balcão, uns com amigos, outros pensando ‘mas porque estou perdendo o episódio da série de TV que eu tanto amo e estou aqui bebendo uísque… eu nem gosto de uísque!’ Para completar todos gritando ao mesmo tempo na esperança que os outros da mesa irão lhes ouvir ah, e quase todos fumando, fumando muito.

Me peguei pensando no sucesso que foi a festinha de aniversário do meu filho e que ele está cada dia mais lindo, depois pensei na receita de frango com limão e mel que fiz no sábado e ficou ótima,  mas como falar sobre essas coisas ali, naquele momento esses assuntos soariam completamente ridículo, tão ridículos quanto eu com um uísque pela metade na mão pensando no sofá da minha casa. Resolvi que era hora de virar o copo, de uma só vez, novamente sem hesitar. Depois disso não me senti mais tão ridícula e voltei para a longa conversa da minha mesa que ainda não tinha acabado e era sobre a China…

Tentei, falei umas duas ou três frases mas não conseguia mais me concentrar e lembrei de um adesivo de carro que sempre via pelo trânsito que dizia: ‘quer viver grandes aventuras? Tenha filhos!’
Sempre achei esse papo uma forma desesperada dos pobres pais darem um pouco de risada depois de verem suas vidas resumidas à troca de fraldas e choro de criança mas naquela noite me dei conta que não são só os pais que arrumam desculpas para se sentirem felizes em suas escolhas. Viver animada, saindo, agitando, bebendo, fumando, conversando, se arrumando, se descolando, pode ser também muito sem graça.

Depois de um certo tempo a cena dos bares, das noitadas, dos paquerinhas que quase nunca duram mais que duas semanas ficam tão chatas quanto acordar sábado às 8 da manhã para dar mamadeira.
A diferença, e talvez esse seja o ponto, é a solidão.

Me lembro que sempre ficava um pouco deprimida quando depois da festa incrível onde tinha lavado a alma dançando, tomado proseco até enjoar, conversado com vários garotos interessantes, ter sido paquerada e me sentir ótima dentro do meu mais novo vestido, chamava um táxi e voltava sozinha para casa. Sim sozinha, porque depois de um certo tempo e alguma experiência sabe-se que é bem melhor só do que acompanhada do príncipe noturno que no dia seguinte vira aquele sapo enorme na sua cama…urgh A solidão depois de vários anos cansa, veja bem, vários anos…mas cansa.

Vida de casada com marido e filho que precisa ir na pracinha de manhã também cansa, mas vamos ser honestas, não tem nada de monótono.
Eu não sei como mas hoje em dia minha vida é bem mais ‘agitada’ do que quando esperava o fim-de-semana para poder sair e ficar até tarde na farra. Claro, agitada num outro sentido mas confesso que agora eu literalmente ‘não páro!’

Voltei minha atenção aos meus amigos e ao bar; percebi que estávamos todos olhando vagamente o horizonte. A conversa sobre a China tinha acabado e como eles não estavam bebendo acho que a animação também não estava muito alta. O barulho do bar não nos deixara naquele silêncio constrangedor mas estava ficando claro que a noite já estava acabando para nós. O garçom veio perguntar se queríamos mais alguma coisa, eles responderam que não. Eu já no segundo uísque fiquei aliviada e sugeri que pagássemos a conta, eles concordaram. Pagamos, nos despedimos e eu fui pegar minha bicicleta, estava louca para voltar para casa e contar para o meu marido minha teoria sobre a farra da mamadeira e a solidão da festa.

Mas no caminho não conseguia parar de pensar no tal adesivo. Por que aquele texto ainda não me convencia e mais, no fundo me irritava? O que continuava me incomodando naquele pedaço de plástico? Talvez porque é óbvio que ser solteiro ou ser casada e não ter filhos é muito bom também… mas não era só isso…Depois de alguns minutos desliguei novamente, estava uma noite gostosa e o vento fresco batia no meu rosto. Respirei fundo e me senti feliz.Foi quando isso me veio a cabeça: a grande aventura desse mundo é estar vivo. É viver a vida com prazer e ter a generosidade para dividir esta alegria com as pessoas que amamos. Isso é mais que aventura é plenitude…

Abri um sorriso e perguntei sarcasticamente a mim mesma: ‘e aí grilo falante, não vai falar nada?’ e ele respondeu: ‘estou feliz também gafanhoto!’.

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