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Patrícia Veltri - Em Santos nasci, em São Paulo vivi 27 anos, em Rotterdam moro desde 2003. Formada em Filosofia e Moda sempre gostei de misturar coisas que parecem não combinar e pensar várias maneiras de ver o mundo. Já trabalhei em cinema, televisão e revistas, como figurinista, stylist, editora de fotos, produtora e editora de moda.
Sou cheia de contradições, imperfeições mas me livrei dos defeitos porque depois de uma certa idade não temos mais defeitos, somente características.

 

O Casamento

Patrícia Veltri

Tem mulher que sonha com o dia do seu casamento. Sabe como vai ser o vestido, qual música vai tocar quando entrar na Igreja, como vai ser o bolo e o tipo de festa que vai dar para a família e amigos; pensa até como será a lembrancinha que vai destribuir para os convidados mas esquece só um detalhe, para casar é preciso ter primeiro com quem casar  e para um casamento ser realmente completo o noivo é essencial.

Tem mulher que nega, nega, nega que quer casar até o dia que o namorado pede a sua mão e de repente ela resolve fazer tudo o que uma noiva tem direito. Vestido branco, quilômetros de véu, igreja, padrinhos, buquê mas diz que é só para agradar a família e não causar polêmica numa hora dessas. Depois acredita que todo mundo acreditou na história dela.

Tem mulher que se recusa, não casa por ideologia mas vive 10, 20, 30 anos com a mesma pessoa e juntos compram casa, carro, tem filhos, netos dentro de uma relação muito mais estável e tradicional do que a de muita gente que optou pelo véu e grinalda.

Depois tem todo os outros casos, combinações variadas dos exemplos acima e suas exceções, como claro não poderia deixar de ser o que aconteceu comigo.

Confesso que a primeira vez que ouvi dizer que aqui na Holanda a pessoa não precisava casar para entrar com o pedido do visto de imigração, querer morar junto já era motivo suficiente para tal, achei sinceramente a coisa mais moderna do mundo. Ingenuidade a minha?
Só sei que gostei da notícia e estava resolvida: iria morar junto com meu namorado holandês sem casar, mesmo porque morar junto ou casar até hoje na minha cabeça não tem a menor diferença. O casamento (quem tem ou teve um, sabe) é o dia-a-dia, a relação a dois, e isso não tem papel que assegure.

Depois descobri que aqui na Holanda a maioria dos jovens não se casam. Não querendo repetir o modelo antiquado da época dos seus pais e avós e por serem mais modernos assinam um contrato. Hamm? Sim, um contrato especialmente formulado para especificar os direitos e deveres de quem quer morar junto, comprar casa, carro, ter filhos tal e qual no casamento mas não quer casar. ‘Contrato de Quem Mora Junto’!
Nunca na vida tinha ouvido nada mais estapafúrdio nesse assunto. Ora por favor caros modernos, coragem! Chutem o balde, entrem na Igreja de roxo ao som de uma musica heavy metal, façam uma cerimônia alternativa, com bolo de noiva de massa de trigo integral, peguem um megafone e gritem de cima da Torre Eifel ‘eu te amo’, comprem um anelzinho de plástico daqueles que vem em doce de criança e dê para a amada usar como anel de casamento, sei lá, invente alguma coisa original mas ir num cartório assinar um contrato que diz e garante as mesmas coisas que o casamento mas que não se chama ‘casamento’, chama ‘contrato de quem mora junto’ é de chorar de rir.

A verdade é que nessas horas, o que importa é ser feliz e quando a gente resolve casar, morar junto, usar aliança, rasgar ou assinar um papel, normalmente é porque estamos vivendo um momento de extrema felicidade com alguém e não vamos subestimar a capacidade do ser humano de perder o senso de qualquer ridículo quando se está apaixonado e feliz.

Eu morava junto e chamava meu namorado as vezes de marido, as vezes de namorado, as vezes de amigo, dependendo da língua e do momento e não tinha nenhum problema com a mobilidade dos termos ou a suposta instabilidade da situação. Ele já era mais tenso. Vinha dessa geração holandesa que inventou de chamar casamento de contrato e sempre me apresentava para os outros como ‘amiga’. No começo eu estranhava o termo mas é preciso tempo e convivência com a cultura holandesa para ir entendendo a caretice das excentricidades.

Já tinha relaxado e até mesmo desistido de tentar explicar para o meu pai que no fundo é tudo a mesma coisa quando vejo meu ‘amigo’ um dia chegar em casa com um buquê de flores enorme, olhar nos meus olhos e perguntar: você quer casar comigo?

Eu nem lembro como foi minha primeira reação, só lembro que não acreditei. Depois dei uma risada meio nervosa, peguei as flores e continuei muda, sem acreditar.

Mas ele ficou lá, parado me olhando, esperando a resposta. Percebi então que era sério, que deveria dizer alguma coisa o que nessas horas só podem ser duas: Sim ou Não. Mas não conseguia falar nada e o que é pior queria mas não queria. Queria dizer sim para ele mas não tinha certeza se queria me casar… aí lembrei da hipocrisia holandesa, do quanto achava ridículo querer mudar somente a aparência sem mexer na essência das idéias mas principalmente percebi, e isso foi fundamental, o quanto o meu namorado, amigo e amor estava se entregando naquele gesto. Emocionada respirei fundo e disse: Sim!

Para minha surpresa a coisa não parou por aí e nesse ponto admiro meu marido, quando ele se resolve por uma coisa não se acanha, vai fundo.
Meus pais, meu irmão e uma tia estavam na Europa. Combinamos de passarmos todos juntos um final de semana na Bélgica onde também encontraríamos minha futura sogra, que por sua vez mora na França. Foi lá, em Bruxelas, num alegre jantar em família que ele pediu tradicionalmente ao meu pai a minha mão em casamento. Não preciso nem dizer que as mulheres se emocionaram, meu pai perdeu a fala e ele virou o genro do ano.

Mas o que nem eu nem ninguém sabia é que estava grávida e todos os planos que fizemos naquela noite nunca aconteceram daquela maneira. Uns tiveram que esperar outros se perderam no caminho porque as vezes quando estamos nesse êxtase de felicidade nos esquecemos que a vida é simplesmente assim, eterna mudança e movimento e que nem sempre as coisas acontecem como planejamos mas o que importa, o que fica, é a essência das idéias.

 

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