Entrevista: Cláudio Ribeiro
Por Patricia Veltri
Ele queria tocar violão...
Ele queria tocar violão mas na sua cidade só tinha uma professora de piano,
a vizinha da sua tia. Por forças das circunstâncias foi este instrumento que
o introduziu à música, hobby que virou paixão e depois profissão.
Morando atualmente na Holanda e desde novembro de 2006 trabalhando como
professor convidado do Conservatório Real de Haia, Claudio Ribeiro se diz
calmo e conta que não fica mais nervoso ao se apresentar nos concertos que
faz com seu conjunto Collegium Musicum ou com a orquestra que dirige. Apesar
da pouca idade fala com muita propriedade e maturidade sobre sua trajetória
e planos futuros.
Não gosta de MPB, prefere música caipira, não tem samba no pé mas sim muito
ritmo nas mãos. Longe de qualquer esteriótipo latino ele deixa sua
brasilidade aparecer ao confessar que sempre toma um cafezinho antes de suas
apresentações, como se fosse seu ritual particular.
Numa tarde bem cinzenta, a colunista Patrícia Veltri encontrou-se com Ribeiro, num café em Roterdã, para conversar sobre como é ser brasileiro, estudar cravo e tocar música antiga em pleno século XXI.
PV - Você é paulista?
CR - Eu nasci em São Paulo, mas me criei no interior, na região de Registro, de onde também vem minha família. Tenho 29 anos, mas aos 17 fui para Campinas estudar música, mais especificamente Regência, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
PV - Como foi que você começou a se interessar por música?
CR - Meus pais sempre ouviram muita música em casa, mais música clássica do que popular. Ainda bem pequeno, minha mãe gostava de me presentear com instrumentos de brinquedo, então eu brincava de tocar. Aos sete anos pedi aos meus pais para estudar violão, mas na minha cidade, Jacupiranga, não tinha nenhum professor de violão, só tinha uma vizinha da minha tia que dava aulas de piano. E assim fui eu lá, tocar piano. No fim a coisa deu tão certo que estudei piano até ir para a Universidade, ou seja, foram 10 anos nessa brincadeira…
PV - E o cravo, um instrumento tão peculiar, como foi que você chegou a ele?
CR - Quando estava estudando Música na Unicamp, um dos meus maiores interesses era pela Música Barroca e toda obra barroca é acompanhada pelo continuo. O continuo é uma função dentro da orquestra que pode ser feita por qualquer instrumento harmônico; cravo, órgão, alaúde. Esse instrumento toca a linha do baixo, do violoncelo, por exemplo, e ao mesmo tempo as harmonias que acompanham o conjunto ou a orquestra.
O instrumento mais comum usado para fazer o continuo na musica Barroca é o cravo. Foi isso que, no início, despertou meu interesse pelo cravo.
Quando eu estava no segundo ano da faculdade, um professor de cravo, Edmundo Hora, que estava até então na Holanda, voltou para o Brasil e começou a lecionar na Unicamp. Quando soube disso, logo resolvi ter aulas e com ele comecei a estudar e me interessar mais profundamente pelo instrumento. Acabei gostando tanto que depois de me formar em Regência no Brasil, resolvi vir para a Holanda só para estudar cravo.
PV - Existem instrumentos que acabam sendo mais populares entre os estudantes de Música Instrumental, o Cravo com certeza não e um deles, você arrisca dizer por quê?
CR - Eu não sei exatamente o porquê, mas se pensarmos na história do cravo, talvez possamos tentar entender um pouco o que aconteceu. A história do cravo é meio triste, inclusive teve uma época que ele simplesmente desapareceu. Ele surgiu no século XV, quando começaram as experiências para se desenvolver um instrumento de cordas que utilizasse um teclado para tocar essas cordas. No século XVII ele atinge seu apogeu que segue até meados do século XVIII. No século XVIII inventam o piano, instrumento que traz uma grande diferença e vantagem ao instrumentista: o volume. No piano pode-se tocar mais forte ou mais fraco e assim trazer nuances de intensidade nas apresentações que no cravo são praticamente impossíveis de serem alcançadas. Depois do aparecimento do piano, o cravo passou a ser visto como um instrumento mais limitado.
Por trazer essa novidade os compositores começaram a dar preferência ao piano e as musicas começaram a serem escritas, já se pensando no piano. Chegou a um ponto que no final do século XVIII já não existia mais repertório para o cravo.
PV - Quando você começou a se interessar pelo Cravo existiam outros cravistas no Brasil? Ou o seu professor era um pioneiro?
CR - Quando eu comecei a estudar Cravo em meados de 1997 tinha pouquíssima coisa acontecendo em relação a esse instrumento especificamente. Existia o meu professor em Campinas e um outro professor no Rio de Janeiro, chamado Marcelo Fagerlandi. Mas nessa mesma época começou a surgir um Movimento de Música Antiga no Brasil organizado por um outro cravista chamado Roberto de Regina que alem de tocar, também construía o instrumento.Ele foi um dos pioneiros na divulgação da Musica Antiga no Brasil.
PV - Onde toca um cravista normalmente? Numa Orquestra, num Conjunto de Câmara ou sozinho?
CR - O mais comum profissionalmente e tocar em um Conjunto pequeno, mas pode ser também numa Orquestra. A grande maioria das obras com partitura para cravo são Barrocas. No meio do século XX surgiu um Movimento de Renascimento do Cravo e por isso existem também algumas composições contemporâneas feitas para ele; mas o que foi feito na verdade nesse período foi uma tentativa de transformar o piano num cravo. E meio confuso, mas vou tentar explicar: no piano existe uma espécie de martelinho que bate na corda e produz o som, no cravo existe um plectro que belisca a corda para produzir o som.
PV - Plectro? (risos)
CR - (risos) Sim plectro. O plectro seria como uma unha que belisca a corda, como se faz no violão. E exatamente esse mecanismo de ‘beliscar a corda’ que produz o som particular do cravo. Tanto que o cravo e o violão podem até ser comparados por terem o mesmo sistema de produção de som. Enfim, a tentativa no século XX foi de usar a caixa do piano com o mecanismo do plectro para produzir o som. Não foi um grande sucesso tanto que no final do século XX volta-se a fazer o cravo como ele era no inicio. Hoje em dia ele e produzido sem modificações.
PV - E a Holanda? Onde entra a Holanda na sua história?
CR - A Holanda é um país que tem uma tradição muito grande de Música Antiga, Música Barroca e Música do inicio do Período Clássico, isto é, o final do século XVIII. A Música Antiga que estudamos é a Musica Européia e para este período a Holanda é o principal país no meio acadêmico. Hoje em dia existem três grandes escolas de Música Antiga na Europa. O Conservatório de Haia, o Conservatório da Basiléia, na Suíça, e a Escola de Música de Barcelona. Pelo fato do meu professor na Unicamp ter estudado aqui na Holanda meus contatos com Haia acabaram ficando mais fáceis. O outro motivo foi que em alguns festivais eu tive a oportunidade de conhecer e ter contato com um professor daqui chamado Jack Ogg. Eu gostei tanto dele que decidi que gostaria de tê-lo como meu professor também. Assim, quando acabei o bacharelado no Brasil, resolvi vir para cá e fazer o bacharelado novamente tendo o cravo como instrumento principal. Agora estou fazendo o mestrado.
PV - Acontece atualmente alguma coisa em relação à Música Antiga no Brasil?
CR - Sim. Existe um festival muito importante de Música Antiga no Brasil, em Juiz de Fora, dirigido pelo professor Luis Otavio Santos. Neste Festival vão pessoas do mundo todo e o contato e troca de experiências que se fazem lá são de altíssima qualidade.Foi neste Festival que eu, por exemplo, conheci pela primeira vez o meu professor holandês.
PV - No Conservatório onde você estuda existem mais estrangeiros ou holandeses?
CR - No departamento de Música Antiga existem 200 alunos, entre eles acho que somente uns três são holandeses. Por sua vez os professores são na grande maioria holandeses.Talvez isso se dê porque nos anos 60 houve aqui na Holanda um Movimento de Renascimento da Música Antiga, onde se procurou trazê-la, recuperá-la para a atualidade, mas respeitando sua forma original, com os instrumentos feitos e tocados como originalmente. A maioria dos professores de hoje participou desse movimento também.
PV - Como é a sua vida aqui?
CR - Eu estudo cravo de duas a três horas por dia. Quando não estou estudando, estou tocando com outras pessoas. Eu toco todo dia. Eu já estudei violino, piano, mas no final optei pelo cravo.
PV - Quais são seus compositores favoritos?
CR - Bach. A obra dele é o meu tema do mestrado. Eu gosto também muito da música do sul da Itália do século XVIII. Francesco Mancini, Alessandro Scarlatti e de compositores italianos da época Barroca.
PV - Você só escuta música Barroca, Antiga e Clássica?
CR - Não… eu escuto pop e rock também (risos)
PV - O que toca na sua vitrolinha?
CR - Eu não sou de vitrola, eu prefiro rádio (risos) e nele acabo escutando um pouco de tudo… mas cd confesso que só compro de música erudita.
PV - MPB?
CR - Eu não gosto de MPB. Eu escuto, reconheço que é interessante, bem feita, mas não me toca, curioso isso… mas por outro lado eu gosto muito de música caipira.
PV - Você não tem nem um cd de MPB para tocar para os seus colegas estrangeiros nas festinhas?
CR - O pior que não… (risos) e o pior é que todo mundo pede…
PV - IPod ou Discman?
CR - Discman. Você pega o cd, coloca e ele toca. No Ipod você tem que ficar colocando a música…eu não tenho paciência.
PV - O que você sente quando você toca para os outros?
CR - O que eu mais gosto é de fazer as pessoas se sentirem bem com a minha música. Eu gosto do fato de gerar emoções nas pessoas através da Música. E o retorno positivo que você recebe depois dos concertos também ajuda muito a querer continuar tocando.
PV - Você fica nervoso?
CR - Ultimamente não. Eu sou calmo, mas também depois de cinco anos de Conservatório, tocando todo ano para banca examinadora, você aprende a ficar calmo.
PV - Você tem um ritual ou alguma coisa que você sempre faz antes de tocar?
CR - Eu tomo um café! Muita gente diz que o café deixa a pessoa mais nervosa, mas como eu sou calmo então não tenho esse problema… (risos)
PV - Você gosta da Holanda? Você tem planos de continuar aqui?
CR - Eu gosto da maneira que as coisas funcionam aqui, da organização, de poder sair à noite andando pela rua tranqüilo, mas do clima, do frio, do vento do pouco sol não tem como gostar. Eu vejo aqui mais como uma passagem ou uma ponte entre o Brasil e o resto do mundo. Uma particularidade do mundo profissional dentro da Música Barroca e que você não tem um emprego fixo, não é como tocar numa Orquestra Sinfônica. Você trabalha em projetos que normalmente reúnem músicos de vários paises. Isso facilita a minha idéia de ficar nessa ponte. O ideal seria trabalhar aqui e no Brasil
P.V. - Você gosta mais de dar aulas ou se apresentar como concertista?
C.R.: Eu gosto de concertos e por isso no final de 2004 me reuni com mais
duas alunas do conservatório e juntos criamos um conjunto chamado 'Collegium
Musicum' com a idéia de organizar concertos na cidade de Haia, que apesar
de sediar uma das escolas mais importantes do mundo tem uma vida musical
pouco dinâmica. Achávamos isso uma pena porque víamos dentro da escola
músicos de altíssima qualidade, loucos para se apresentarem fora dela mas
sem muita oportunidade para isso.
Em abril de 2006 conseguimos fazer nossas primeiras apresentações, uma série
mensal dentro de uma antiga capela da cidade, a Bathkapel.
Juntamente com a idéia do conjunto resolvi também montar uma orquestra a
'Orquestra do Collegium Musicum' dirigida por mim e que em setembro último
participou do Festival de Música Antiga de Utrecht.
Este festival foi um salto para nós porque nele estava um representante da
Rádio Nacional Austríaca que nos convidou para gravar um cd. Gravamos em
novembro passado na Áustria e o cd deve ficar pronto entre abril e maio
deste ano.
P. V. - Quanto progresso em um ano de apresentações, você esperava por isso?
C.R.: Trabalhamos muito para chegar nesses resultados e confesso que estou
muito animado para continuar e inclusive começar, ainda este ano, dois
projetos novos para a orquestra, um com música colonial brasileira e outro
com música européia. Quero trabalhar para conseguir fazer mais apresentações
dentro da Holanda porque entre o segundo semestre deste ano e o início do ano
que vem faremos mais uma gravação para a Rádio Austríaca. A coisa esta
realmente crescendo e estamos também procurando um produtor e claro,
patrocinadores para esses eventos.
P.V. - Como esta o calendário das apresentações este semestre?
C.R.: Em março fizemos duas apresentações em Haia, uma com o grupo Lacrime
Amorase na Barthkapel, e outra do Collegium Musicum no Anthon Phillipszaal.
Em maio temos apresentações agendadas na Aústria.
P. V. -Vocês têm um site?
C.R.: Sim, lá as pessoas podem ler todas as informações sobre nossas
apresentações e também mais detalhes sobre a formação e história do nosso conjunto e orquestra.
http://collegiummusicumdh.atspace.com
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