CPI: o combustível do Congresso
Rodolfo Torres
Brasília - A CPI que investigará as denúncias de abuso na utilização
dos cartões de crédito corporativos iniciou o ano legislativo no
Congresso e já se revela uma senhora ópera bufa.
Durante a cerimônia de abertura dos trabalhos do Parlamento, quando
as maiores autoridades do país dividiam o mesmo recinto, lá estava o
líder do governo no Senado a colher assinaturas entre seus pares, para
que mais uma comissão parlamentar de inquérito fosse aberta. Essa CPI
investigará o uso dos cartões nos governos Lula e FHC, uma vez que é
preciso que o governo desgaste a oposição.
O dilema é que a rapaziada não está engolindo muito bem os gastos do
pessoal mais próximo ao presidente da República. Um pequeno exemplo é
o segurança da filha de Lula. Ele gastou R$ 55 mil com o cartão
corporativo entre abril e dezembro de 2007. Um outro, nem tão pequeno
assim, é o da ex-ministra Matilde Ribeiro, que era titular da
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência. Ela gastou, apenas em 2007, mais de R$ 171 mil com o
cartão. Matilde foi convidada a sair do governo na semana passada.
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) só esqueceu de três detalhes no
requerimento que apresentou aos seus pares senadores: quantos
congressistas deveriam participar da comissão; quanto tempo a comissão
teria para finalizar os seus trabalhos; e qual seria o dinheiro que a
comissão teria para custear suas despesas (que, se brincar, serão
pagas com cartões corporativos).
Jucá, que é um homem que goza da confiança dos seus pares, e que não
tem tempo para perder com detalhes, percebeu o "esquecimento" e logo
tratou de remendá-lo. Pegou o requerimento e, à mão, complementou as
informações que faltavam ao texto. Assim, tão simples como uma criança
que esquece de pintar o céu num desenho preparado especialmente para a
mãe.
Contudo, as canetadas de Jucá pegaram mal. Os senadores
oposicionistas, que estão de orelha em pé pelo fato de o governo ter
se adiantado e pedido a instalação dessa CPI no primeiro dia de
atividades do Congresso, chiaram quando souberam do remendo de Jucá.
O senador Heráclito Fortes (DEM-PI), que soube dos "remendos" no
requerimento por meio de sites especializados na cobertura do
Congresso, pediu providências ao presidente do Senado, Garibaldi Alves
(PMDB-RN), que presidia a sessão de debates. O parlamentar piauiense
lera que um funcionário da Mesa Diretora da Casa havia dito que uma
rasura daquelas não tinha a menor importância.
Para encurtar a história, o líder do governo no Senado terá que
novamente sair recolhendo as assinaturas, e desta vez apresentar um
requerimento sem rasuras ou borrões. Para que uma CPI seja instalada
no Senado são necessárias, no mínimo, 27 assinaturas. Jucá recolheu
31.
A expectativa é de que essa CPI dos cartões de crédito corporativos
funcione apenas no Senado. Contudo, a oposição na Câmara também quer
aparecer no Jornal Nacional e, por causa disso, vai lutar até o fim
para que essa CPI dos Cartões seja uma CPI mista (formada por
deputados e senadores).
Na próxima semana, o presidente do Senado vai se reunir com líder
para saber se essa CPI irá para frente, uma vez que algumas outras já
estão "na fila". Também na próxima semana os líderes da oposição no
Senado chegarão de suas férias na Europa e, em terras patrícias,
partirão para mais um confronto clássico - e de um maniqueísmo de
história infantil - de nossa política. PT ou PSDB? Quem abusou mais
dos cartões corporativos? A conferir...