A GRANDE SORTE
Sérgio Godoy
Maria
Rosa nunca deixou a cidade onde nasceu. Férias?
Nunca teve. Sempre ao lado da família e dos amigos.
Tinha vontade de ir ao Rio de Janeiro mas sempre lhe faltou
coragem. E assim o tempo foi passando até que chegou
uma carta de sua irmã que morava na Europa, já há alguns
anos, convidando-a para conhecer o país onde vivia.
Emocionada e quase chorando, telefonou para Rita e pediu
a passagem.
Os
vizinhos fizeram uma pequena festa de despedida e a conversa
só foi a viagem de Rosinha para o “outro
lado do mundo”. No
avião sentiu tanto medo que mal prestou atenção
no filme que exibiam na pequena tela. Sempre com a mão
fechada, a rezar baixinho e pedir à Deus por proteção.
Não sabia ao certo se sentia alegria ou tristeza,
mas uma coisa era certa, a saudade já estava batendo
forte.
Quando
o avião aterrissou no Schiphol aeroporto
achou que a morte havia batido na porta. O policial de
imigração enquanto virava página por
página do passaporte fazia perguntas incompreensíveis
criando em Maria Rosa um terror interminável. Por
fim, depois de alguns minutos chegou uma tradutora Venezuelana
que, para pequeno alívio fez com que Maria entendesse
as perguntas em uma mistura de Português com Espanhol.
Rita
a recebeu com um forte abraço e logo puxou
a seu lado o marido para apresentá-lo à irmã.
Era um homem alto de pele bem clara e um rosto “maravilhoso”,
como Maria iria depois comentar.
As
duas ficaram horas conversando sobre Goiânia
e a família, trocando presentes e falando sobre
Amsterdã, sobre o comportamento do povo Holandês
e um costume de vida totalmente diferente ao qual Maria
teria que se adaptar.
No
dia seguinte, depois do café, as duas sairam.
Rita foi mostrar algumas partes da cidade e encontrar
Dalva, uma amiga de Brasília que já estava
morando na Holanda há quatro anos. Visitaram alguns
pontos mais conhecidos por turistas, algumas lojas e no
final da tarde sentaram para comer algo em Leidseplein.
Maria Rosa estava tão deslumbrada com tudo que mal
podia falar, mesmo assim riu muito com as conversas de
Dalva, uma mulher que no Brasil era evangélica e que em
Amsterdã redescobriu uma nova e descontraída
maneira de ser; era feliz, falava desesperadamente abrindo
os braços em largos gestos.
Uma
semana depois quando Dalva apareceu para visitá-las
queria saber se Maria Rosa já havia encontrado um
Holandês para namorar: -É,
menina, eles adoram as Brasileiras. E casam logo, viu! Maria
começou a rir
com timidez.
-Eu
não tô pensando nisso, não.
-
Mas é melhor começar a pensar. Ficar
aquí ilegal é horrível! - Respondeu
Dalva olhando para Rita com malícia.
E depois continuou:
-
Rita, nem te conto…você conhece a Adelina,
não conhece? Pois é, ela casou com um motorista
de táxi, mas o mais estranho é que ele chega
em casa e corre para frente da televisão e enquanto
ela fica na cozinha preparando o jantar ele fica assistindo
filme de putaria… Rita
deu um pulo da poltrona e começou a rir alto.
-
Não! E ela aceita?
-
Claro que sim, e o medo de perder o “papel.”
- “Papel?” -
Perguntou Maria.
-
Papel, é o visto de residência. Os Brasileiros
por aquí só falam disso, esse tal de “papel” que
todo mundo corre atrás. - Explicou Rita, sem muita
vontade de entrar em detalhes. Dalva
bebeu mais um pouco de coca-cola antes de continuar.
-
Por isso é que você tem que começar
a pensar seriamente, apareceu, pega!
-
Também não é assim,
Dalva!
-
Que é isso Rita? É assim mesmo, Rosinha.
Ninguém quer ficar aquí fazendo faxina pro
resto da vida. Você tem sorte que sua irmã mora
em uma casa grande e com conforto, porque a maioria divide
apartamento de um quarto com cinco dormindo na sala, e
por demais,você não vai ficar aquí entre
a Rita e o marido pra sempre, vai?
-
Acho que não. -
Respondeu Maria Rosa.
Dalva
tirou da bolsa uma agenda, abriu uma página,
colocou os óculos e com um ar muito sério
falou:
-
Goed zo! Eu já tenho uma faxina para você.
A mulher é casada e têm uma filha de dois
anos que fica na escolinha por meio período e e
depois vai pra casa dos avós até as seis
horas da tarde. Ela aceitou você porque sou eu que
apresentei. Não vou cobrar nada como esse povo por
aí faz, mas quero tudo certinho; limpar bem, arrumar
a cama, por roupa pra lavar etc. Olha minha reputação,
tá? Depois com o tempo você consegue mais
casas até preencher a semana.
-Rita, dá uma
agenda pra essa menina! E olha, comprei um dicionário
Português/Holandês para que você já vá se
acostumando com as palavras. É muito difícil…
Maria
Rosa demorou muito para aprender como caminhar pelas ruas.
-
Tudo é tão
parecido! - Desculpava-se.
Por
segurança Rita escreveu na nova agenda o número
do telefone e disse à ela que que caso se perdesse
que pedisse para alguém discar aquele número.
Ainda escreveu um bilhete ao lado: " Por favor,
estou perdida, ligue para esse número, obrigada."
-
Mas Rita, assim eles vão
achar que sou muda. - Indignou-se Maria.
-
Melhor eles acharem que você é muda do
que burra! - Respondeu Rita com impaciência.
O
tempo passou e depois de seis meses Maria Rosa ainda
se sentia transtornada com a cidade e, para piorar, a
saudade da família era um peso no coração.
Pensou em retornar, mas Rita convenceu-a de que isso era
só uma fase, que logo se adaptaria e tudo seria
melhor. O inverno na Holanda pode ser cruel; venta e chove
muito, escurece cedo e os Holandeses ficam mais distantes
e sérios. Maria Rosa começou a detestar cada
minuto de sua vida, só pensava no calor de Goiânia
e no espaço aberto da paisagem que tanto amava…Desta
vez não haveria nada que a segurasse nesse horror
de cidade, pensou!
Foi
em uma sexta-feira que ela conheceu Peter. Ao sair
do trabalho sentia-se tão triste que decidiu caminhar
em vez de pegar o ônibus e com grande surpresa
descobriu que estava perdida. Olhou para os lados e não
reconheceu as ruas nem os bares Turcos que tinha como
referência
para chegar em sua rua. Na esquina havia um carro parado
e o motorista falava no celular. Maria Rosa aproximou-se
do carro e com os olhos cheio de lágrimas mostrou
a primeira página da agenda.
Rita
abriu a porta e viu Maria ao lado do estranho que gentilmente
a trouxe até em
casa.
Peter
se apaixonou. Maria Rosa se apaixonou. E com a ajuda
do dicionário que Dalva havia lhe dado trocava
algumas palavras que ansiosamente procurava nas páginas
do pequeno livro. Peter era o que Maria Rosa nunca imaginou
existir; bonito, rico, e com vasto conhecimento do mundo,
mundo que até então, para Maria, só existia
na cidade onde nasceu.
O
casamento em Amsterdã resultou em uma grande
festa e finalmente Maria Rosa pôde escolher a cidade
de seus sonhos para sua lua-de-mel: Rio de Janeiro.
Dois
anos após o casamento quando ela já era
a senhora Maria Rosa Pieneman, Dalva telefonou para pedir
um favor.
-
Bom dia, Dalva, como posso ajudá-la?
-
Rosinha, eu tenho uma amiga que está desesperada
atrás de trabalho. A Rita me disse que você está procurando
por faxineira, é verdade?
-
Estou, mas não
sei se quero Brasileira.
-
Que é isso minha filha? Tá discriminando, é?
-
Dalva, elas só causam problemas. Essa garota
e “legal” ou ilegal?
- Ilegal, é claro!
Mas é gente muito boa
e afinal de contas eu é que estou apresentando,
não é mesmo?
-
Quanto você tá ganhando
desta vez?
-
Rosinha…nada, juro!!
-
Ela fala Holandês ou Inglês?
-
Só Português. Não sabe nem caminhar
pelas ruas de Amsterdã…
-
Bem, vou pensar.
-
Rosinha, antes que eu esqueça, você ainda
tem aquele dicionário? -
Claro que sim. E Dalva, não me chame de Rosinha
porque não gosto, entendeu?
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