RESULTADOS
DE UMA PAIXÃO
Sérgio
Godoy
“Eis meu lar, minha casa, meus amores”
(Casimiro de Abreu)
O
vento assombra Amsterdã. Nas calçadas,
um longo carpete de folhas secas implica a passagem de uma
senhora que cautelosamente conta seus passos; frágil
resultado de uma idade avançada. Às vezes,
o sol aponta-se timidamente, para logo desaparecer entre
as nuvens escuras deste sábado introspectivo.Da
janela observo a manhã que vai passando em total
indiferença. Há festa do outro lado da rua;
balões coloridos enfeitam a porta de um dos apartamentos,
mulheres e homens vestidos formalmente, como todo convidado
de casamento deve vestir-se.
Os
noivos chegam em carro aberto, decorado com dois buquês de rosas brancas e dois fotógrafos
os rodeiam, sugerem poses, risos… O vestido da noiva é como
um pássaro branco de asas quebradas, tenta levantar
vôo mas permanece, onde mãos delicadas o seguram.
O noivo beija a amada, passa os dedos entre o curto cabelo,
ajeita a gravata. O vento agora é substituído
por alguns pingos de chuva, a noiva sente frio, correm para
dentro.
Para
muitos o casamento é um sonho realizado; a
união sagrada de dois indivíduos que se amam
e prometem amor até que a morte os separem. Pode também
representar uma união financeira e a realização
natural de constituir-se uma família. Já participei
de vários casamentos aqui na Holanda e como não
sou nem um pouco apaixonado por tal evento, devo confessar
que em todos senti-me entediado.
Na Holanda, os convidados assistem à cerimônia,
cumprimentam os noivos e, muitos voltam para casa. Os amigos
mais próximos
e parentes acompanham os noivos para uma tarde aconchegante
de drinks, poses e sorrisos. Outros esperam a hora noturna
para a confraternização em um salão
de festas com música e bebidas. Tudo depende de boas
idéias, organização e dinheiro disponível
para um bom entretenimento.
Os noivos escolhem o que desejam ganhar; amigos e familiares
se responsabilizam pela arrecadação do dinheiro
e a compra do presente. Assim evita-se o mau gosto de alguém
aparecer na igreja com um liquidificador debaixo dos braços.
Provavelmente depois de alguns meses a mulher já está
grávida
e logo nasce o primeiro filho. Bem, essa história
todo mundo já conhece, assim como também naturalmente,
para muitos casais, o divórcio pode chegar em curto
prazo de tempo; maravilha! Ninguém é obrigado
a ficar com ninguém depois que a “paixão
revela-se insuficiente”. Mas há também
a obrigação social, o empréstimo no
banco, a educação das crianças, a pensão
a ser paga, o seguro saúde…
Fica
apenas na memória; beijos ardentes, noites
encantadas, corações entregues às ilusões
naturais de dois corpos que se envolvem. E depois do lar
estar pronto e da rotina dos compromissos, duas faces refletem
no espelho; duas diferentes faces, com outros desejos, outras
escolhas e preferências.
O
choque em descobrir que tão pouco conheciam um
do outro, que entregues ao calor exubertante da pele, dos
poros abertos, prometiam um ao outro infinita permanência.
E então surge o peso de uma ingrata conseqüência;
a errônea conquista de um espaço limitado, a
falta de respeito por individuais desejos e assim já é tarde
demais: filhos rolam no tapete, o curso na universidade,
interrompido, a carreira esquecida. Frustrações
acumulam e degeneram sonhos, causam discussões, humilham.
Mas para àqueles que ultrapassam o fervor da paixão
e chegam ao amor, o olhar floresce em alegria, compreenção,
satisfações mútuas em todos os componentes
de uma família. Mãos envelhecidas abrem o albúm
de fotografia e relembram o dia, o dia mais importante de
suas vidas.
Meu
silêncio é interrompido por gritos. A
vizinha do apartamento ao lado grita, e por um momento penso
que está torcendo pelos atletas holandeses que competem
sob o céu de Afrodite, mas não, ela está mesmo é se
defendendo dos tapas do marido. Fico sem saber o que fazer;
devo pedir ajuda, colocar-me entre os tapas? Espero, até ouvir
o estrondoso bater de portas e passos na escada que resumem
ao retorno do silêncio.
Olho
para fora e do outro lado da rua os convidados saem do
apartamento, dispersam-se
para os lados e logo em seguida os noivos entram no carro
acompanhados por outras pessoas e partem. Ficam apenas
os balões, unidos um ao outro, dependurados
na parede, reluzindo contra o fraco sol como eternizadas
pérolas.
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