ADEUS ÀS
TULIPAS
Sérgio Godoy
Isabel
ficou em silêncio, observando as tulipas que
decoravam a sala. A noite sem ruídos compartilhando
soturnamente seus pensamentos. Como são bonitas, pensou,
tocando-as levemente com os lábios. Podia ver atráves
da janela um pedaço da lua que se escondia atrás
de nuvens escuras. O vento passando nos galhos das árvores,
o balançar das folhas, o ritmo vagaroso das horas.
A angústia da saudade que surgia diante de seus olhos
como longa imagem, deixando-a com a sensação
de que nada mais existisse. O passado ia perdendo-se com
o tempo; a família distante já não pertencia
ao decorrer de seus dias.
Todas
as tardes ele traz novas tulipas. Na primeira semana, logo
após o casamento, ele as deixava cair delicadamente
nos braços da mulher. Agora, coloca-as sobre a mesa,
com indiferença. Ela vai até a cozinha e procura
por um novo vaso, enche com água morna, corta os talos
e as coloca em algum canto, ou sobre a pequena mesa ao lado
do sofá. A sala fica repleta de cores; um mesclado
de variantes cores ressaltando contra os móveis escuros.
Isabel
adiquiriu um grande interesse por tulipas; comprou um livro
onde descobriu a origem, o tempo certo de plantio, necessária luz, a necessidade de sempre manter o mesmo
nível de água. Após visitar Keukenhof
e sentir o coração inusitado com variadas cores
e formatos, comprou um pequeno caderno onde escreveu os nomes
de suas flores preferidas.
O
marido a levou várias vezes aos festivais de flores;
Noordwijk, Rijnsburg, Aslsmeer. Nessas ocasiões Isabel
sentia-se tão feliz que chegava a olhar para o marido
com a mesma paixão que sentira, quando o encontrou
pela primeira vez na Praia Mole, em Forianópolis.
E por algumas horas esquecia a solidão que tanto a
atormentava, as noites e os dias estendidos diante de suas
mãos vazias, a casa perfeita, o país perfeito.
E
ainda que na força brusca de seus pensamentos,
dedicava-se ao casamento porque talvez agora fosse tarde
demais para voltar, sentia em seus poros a necessidade de
um amor mais intenso, espontâneo; sem contradições.
Mas havia também o desejo natural de um abraço
forte e determinado; a maneira fúlgida de um amor
brasileiro. Algumas vezes chegava a desejar encontrar um
conterrâneo e assim, sentir novamente a troca do mesmo
beijo, o deslizar das mãos na mesma cadência,
comunicar-se na mesma língua. Mas sabia que tudo adormecia
dentro de ilusórios momentos, na infinita distância
fazendo com que ela cumprisse a ordem do destino.
Tarde
demais, tarde demais para voltar. Sua existência
agora dividia-se em duas partes: duas mulheres contrárias;
a garota de Floripa e a mulher estática forçando-se
a pronunciar palavras estrangeiras em um teatro de bonecos.
A
luz da pequena lâmpada refletindo na parede um
pedaço de sol. No quarto, o marido no peso indiferente
do sono. Levantou-se vagarosamente e no centro da sala abriu
os braços relembrando coreografias. Sorriu. Os lábios
semi-abertos e o impulso mais verdadeiro de toda sua existência.
Esvaziou
todos os vasos. Colocou as flores dentro de um saco plástico e levou para fora. O céu escuro
não pontilhava estrelas. Desorientou-se na imensidão
do pensamento. O vento frio contra o rosto, o absurdo do
incontível. Na sala, contou os vasos vazios. Um sorriso
incoerente mostrou-lhe felicidade: Não mais tulipas!
E ao resultado de alguma conseqüência, deixou
o olhar no brilho cristalino da lágrima. Com determinação,
telefonou: “Estou voltando!”
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