VALORES NATALINOS
Sérgio
Godoy
Sinterklaas se
foi e eu fiquei sentado no sofá mordendo
a barra de chocolate que ganhara no dia anterior com a letra
inicial de meu nome. O dia lá fora nublado e na janela
do outro lado da rua, a bandeira da Holanda balançando
em condolências à morte do Príncipe Benhard.
Saio
para comprar um casaco de inverno e dou de cara com milhares
de pessoas no aperto das lojas. As decorações
natalinas insistem na presença: o Natal se aproxima
e o “especial” momento das compras também. É hora
de gastar as economias com presentinhos. Esqueçam
o passado calvinista, os holandeses saem às ruas e
mesmo com a economia do país não sendo uma das melhores
na Europa, eles estão gastando.
Entro
em uma loja que oferece “maravilhas” por
menos de 100 euros. São pulôvers, luvas e claro,
casacos. Saio pedindo socorro e afastando os braços
e pernas que impendem minha passagem porque a oferta é muita
boa e todo mundo quer entrar na arena e sair de lá com
pelo menos um par de meias.
Na Kalverstraat o mar de cabeças polui minha visão
e tudo me parece muito ordinário.
Salvo
e intacto decido procurar por meus presentes. Tiro do bolso
a pequena lista com nomes e entro na livraria. Felizmente,
a preferência da “minha” família
holandesa é a leitura. Passo horas prazerosas dedilhando
os livros nas prateleiras. Encontro por acaso dois autores
brasileiros traduzidos e publicados na Inglaterra e um exemplar
de Gabriela Cravo e Canela. Huraaa! Os editores holandeses
começam a se interessar pela literatura brasileira...
Volto
para casa fazendo malabarismo em minha bicicleta porque
me parece que todo mundo enlouqueceu; taxistas, pedestres
e outros ciclistas que insistem em chegar primeiro como
se o destino fosse um só para todos nós.
No
final da tarde vou ao Albert Heijn por óbvia
necessidade e nã há diferença entre
as lojas da Kalverstraat e os vegetais dispostos. Mais uma
vez as decorações natalinas gritam diante de
meus olhos e os produtos em Bonus se oferecem sem pudores.
Com
todas as diferenças culturais existentes nesse
planeta, o Natal não deixa de ser comemorado de diversas
maneiras. Sem dúvida, o Natal é a data mais
festejada do cristianismo. Nem mesmo os ateus conseguem fugir
do Natal, e de uma ou outra maneira são confrontados
com essa festa. Para os brasileiros residentes fora do Brasil,
fica a lembrança da ceia natalina com os familiares,
dos presentes trocados à meia noite, da música
ao fundo e da artificial neve sobre os galhos da árvore
reluzindo no contraste de pequenas luzes. Mas na Holanda
não há o Jornal Nacional das 8hs, fica mais
fácil não ver e sentir o dramatismo da realidade
brasileira; um povo que reinventa caminhos em busca de dias
melhores.
E
aqui estou, no conforto da minha sala, pensando: amanhã tentarei
novamente encontrar meu casaco. Não, melhor é deixar
para fevereiro. Ou ainda, preciso mesmo de um novo casaco
ou será a influência do consumismo impondo-se
sobre mim? E dentro de todo um contexto social, religioso
e financeiro, agradeço àquilo que me cabe;
a capacidade de discernir meus próprios valores.
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