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Sérgio Godoy é paulistano, graduado em Artes Visuais: Central Saint Martins School of Art , em Londres. Participou de várias antologias literárias no Brasil e alguns de seus poemas foram publicados em Poetry Review UK.

QUADROS

Sérgio Godoy

Quando eu era garoto e entrava na sala de aula, ficava com o olhar fixo no quadro negro, esperando que a professora – com seu ritual diário – iniciasse:

“Vamos imaginar um grande saco de papel (com gestos largos ela criava o saco no ar, fazendo mímicas com as mãos) e agora vamos jogar dentro desse saco todos os problemas (mais uma vez usava da mímica para segurar os “problemas” e jogá-los dentro do saco) e vamos largá-los lá fora.

Eu ficava tentando imaginar “problemas” mas não encontrava nada que desejasse colocar dentro do saco. Simplesmente fazia como as outras crianças; braços soltos no ar, cada um com seu “saco de problemas”.

Segunda-feira. Encontro-me com W. dentro do pequeno café de um cinema que fica em uma das ruas estreitas de Amsterdã. É quatro horas da tarde, o filme começa às 5. O bar está lotado e faço malabarismos com o copo de cerveja na mão direita e minha pasta na esquerda até chegar à mesa onde W. espera por mim, sorrindo. Trocamos três beijinhos e falamos sobre a trivialidade da semana passada: significado de sonhos, passeios, jantares com a família etc. Mas logo depois ela entra no assunto de sempre; a necessidade de encontrar sua verdadeira alma gêmea. Quer sentir-se apaixonada, dividir a vida com uma outra pessoa e principalmente, quer ter filhos. O tempo está passando, passando rápido demais! Reclama. E todos os homens são iguais; complicados. Qual é a razão inerente que a impede de encontrar um homem com uma vida “normal”, sem conexões com o passado; ex-mulher, ex- namorada? Eles possuem um medo imenso da paixão, do compromisso...

Minha cerveja vai ficando morna. Quero esconder-me. Sempre que estou com W. o assunto é o mesmo, mas tento comprender seus pesadelos, a tortura dessa atraente mulher de 40 anos de idade e ainda, imersa em tanta solidão.

Pergunto a mim mesmo se para alcançar nossa felicidade precisamos mesmo de uma outra pessoa e se devemos depositar tudo aquilo que somos em um outro indivíduo? Se não houver contrabalanço, qualquer relacionamento ultrapassará o limite de duas partes e então corremos o risco de perder nosso próprio respeito.

Às vezes encontro uma palavra de apoio, outras vezes fico perdido em meus pensamentos e quero sugerir que procure um outro significado mais compensador em sua vida, que relaxe, que invista sua energia em outras causas. Como prever esse amor? O quê, realmente dizer? Talvez W. possa optar pela possibilidade de adoção ou inseminação artificial. Talvez nunca encontrará o homem de seus sonhos. O homem exato, perfeito, capaz de todas as compreensões.

Mas não é tão simples assim, cada um de nós vivemos dentro de nossos quadros: difícil saber, avaliar ou decifrar o que é melhor para os outros.

Antes do filme começar, imagino a antiga professora à minha frente: largo gesto no ar. Coloco tudo dentro do “saco imaginário”.

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