QUADROS
Sérgio
Godoy
Quando
eu era garoto e entrava na sala de
aula, ficava com o olhar fixo no
quadro negro, esperando que a professora – com
seu ritual diário – iniciasse:
“Vamos
imaginar um grande saco de papel
(com gestos largos ela criava o saco
no ar, fazendo mímicas
com as mãos) e agora vamos jogar
dentro desse saco todos os problemas
(mais uma vez usava da mímica
para segurar os “problemas” e
jogá-los dentro do saco) e vamos
largá-los lá fora.
Eu
ficava tentando imaginar “problemas” mas
não encontrava nada que desejasse
colocar dentro do saco. Simplesmente
fazia como as outras crianças;
braços soltos no ar, cada um com
seu “saco de problemas”.
Segunda-feira.
Encontro-me com W. dentro do pequeno
café de um cinema que
fica em uma das ruas estreitas de Amsterdã. É quatro
horas da tarde, o filme começa às
5. O bar está lotado e faço
malabarismos com o copo de cerveja na
mão direita e minha pasta na esquerda
até chegar à mesa onde
W. espera por mim, sorrindo. Trocamos
três beijinhos e falamos sobre
a trivialidade da semana passada: significado
de sonhos, passeios, jantares com a família
etc. Mas logo depois ela entra no assunto
de sempre; a necessidade de encontrar
sua verdadeira alma gêmea. Quer
sentir-se apaixonada, dividir a vida
com uma outra pessoa e principalmente,
quer ter filhos. O tempo está passando,
passando rápido demais! Reclama.
E todos os homens são iguais;
complicados. Qual é a razão
inerente que a impede de encontrar um
homem com uma vida “normal”,
sem conexões com o passado;
ex-mulher, ex- namorada? Eles possuem
um medo imenso da paixão, do compromisso...
Minha
cerveja vai ficando morna. Quero
esconder-me. Sempre que estou com
W. o assunto é o mesmo, mas tento
comprender seus pesadelos, a tortura
dessa atraente mulher de 40 anos de idade
e ainda, imersa em tanta solidão.
Pergunto
a mim mesmo se para alcançar
nossa felicidade precisamos mesmo de
uma outra pessoa e se devemos depositar
tudo aquilo que somos em um outro indivíduo?
Se não houver contrabalanço,
qualquer relacionamento ultrapassará o
limite de duas partes e então
corremos o risco de perder nosso próprio
respeito.
Às
vezes encontro uma palavra de apoio,
outras vezes fico perdido em meus
pensamentos e quero sugerir que procure
um outro significado mais compensador
em sua vida, que relaxe, que invista
sua energia em outras causas. Como prever
esse amor? O quê, realmente dizer?
Talvez W. possa optar pela possibilidade
de adoção ou inseminação
artificial. Talvez nunca encontrará o
homem de seus sonhos. O homem exato,
perfeito, capaz de todas as compreensões.
Mas
não é tão simples
assim, cada um de nós vivemos
dentro de nossos quadros: difícil
saber, avaliar ou decifrar o que é melhor
para os outros.
Antes
do filme começar, imagino
a antiga professora à minha frente:
largo gesto no ar. Coloco tudo dentro
do “saco imaginário”.
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