ATITUDES & OBRIGAÇÕES
Sérgio Godoy
Fui
ao correio buscar uma pequena caixa
que me fora enviada de São Paulo.
Dentro dela havia um livro: “Budapeste”,
de Chico Buarque de Holanda que agora
repousa sobre outros livros e aguarda
o momento certo de ‘revelar-se’.
Como estou bastante curioso para lê-lo,
deverei colocar o “Chico” no
topo da lista.
Em
um envelope pardo, sorrisos se abrem
e, como a família cresceu bastante,
vejo meus sobrinhos na saudável
alegria de uma infância em transição
para a adolescência.
Um
amigo me telefona do Brasil e diz
que esse ano resolveu retirar-se
para o silêncio campestre e ficar longe
do carnaval. Mas afirma: “Naomi
Campbell arrasou na Sapucaí!”
Assim,
sem que eu esperasse, bateu-me aquela
saudade tipo casulo; encolhi-me no
sofá sem vontade de fazer nada
e passei a sonhar acordado. Viajei, em
minhas lembranças, por cada milímetro
de minha casa, por cada gesto, vozes
e sorrisos de minha família. Mas
como bem sei que esses momentos são
passageiros e de um instante para o outro
surge algo que nos tira de nossos pensamentos
e leva-nos a outra ocupação,
pulei do sofá e fui limpar a cozinha,
que sem dúvida já necessitava
de mais atenção. Comecei
pelos armários e a retirada de
pratos, copos e tigelas. Lavei as prateleiras,
sequei-as, coloquei de volta todos os
utensílios e fui para as portas.
Depois segui: o topo da geladeira, os
azulejos, o fogão e por fim as
gavetas. Alí já se foram
mais algumas horas até que encontro
escondido dentro de um cesto, um antigo
pacote de farinha de milho que eu trouxera
do Brasil um ano atrás com a intenção
de fazer o famoso Cuscuz Paulista. Tempo
passado, tempo esquecido. Depositei o
pacote delicadamente dentro do saco plástico
de lixo. Após lavar o chão
deu-me vontade de tomar café e
para minha decepção constatei
que a lata estava vazia. Avistei ao longe,
atrás de uns potes, um vidro de
café instantâneo. Ao sentar-me
com a xícara na mão percebi
o quanto patético tudo me pareceu.
Ainda
que eu não possua grande
talento para a cozinha, tiro da prateleira
um de meus livros sobre a culinária
brasileira. Passo os olhos sobre as receitas
mas o que mais me encanta, ainda que
com certa ingenuidade, é o romantismo
dos nomes de alguns pratos e a sonoridade
das palavras: Picadinho de Abóbora,
Beijos de Côco com Chocolate, Farofa
Peri Peri, Rabanada da Anita, Baba de
Moça, Acarajé, Torta dois
Sentidos...
E
com as horas avançando rapidamente,
não deixei de pensar nas mulheres
que conseguem dividir o ritmo de suas
ocupações domésticas
e encontrar no meio desse caos, momentos
particulares para a realização
de seus próprios prazeres. Fiquei
tentando descobrir como combinar tudo
isso com o desejo de criar: pintar, escrever,
bordar...cuidar dos filhos, das compras
e do jantar para o marido.
Saber
que não existe arte sem
dedicação, sem infinitas
horas de trabalho de organização
das idéias, sem a interiorização
necessária que comanda os sentidos
de um artista. Como separar-se do mundo
simbólico e encontrar inspiração
e tempo para almejar o resultado desejado?
Ser
mãe e ser artista. Será que é possível
combinar essa natureza com aptidões?
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