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Sérgio Godoy é paulistano, graduado em Artes Visuais: Central Saint Martins School of Art , em Londres. Participou de várias antologias literárias no Brasil e alguns de seus poemas foram publicados em Poetry Review UK.

ATITUDES & OBRIGAÇÕES

Sérgio Godoy

Fui ao correio buscar uma pequena caixa que me fora enviada de São Paulo. Dentro dela havia um livro: “Budapeste”, de Chico Buarque de Holanda que agora repousa sobre outros livros e aguarda o momento certo de ‘revelar-se’. Como estou bastante curioso para lê-lo, deverei colocar o “Chico” no topo da lista.

Em um envelope pardo, sorrisos se abrem e, como a família cresceu bastante, vejo meus sobrinhos na saudável alegria de uma infância em transição para a adolescência.

Um amigo me telefona do Brasil e diz que esse ano resolveu retirar-se para o silêncio campestre e ficar longe do carnaval. Mas afirma: “Naomi Campbell arrasou na Sapucaí!”

Assim, sem que eu esperasse, bateu-me aquela saudade tipo casulo; encolhi-me no sofá sem vontade de fazer nada e passei a sonhar acordado. Viajei, em minhas lembranças, por cada milímetro de minha casa, por cada gesto, vozes e sorrisos de minha família. Mas como bem sei que esses momentos são passageiros e de um instante para o outro surge algo que nos tira de nossos pensamentos e leva-nos a outra ocupação, pulei do sofá e fui limpar a cozinha, que sem dúvida já necessitava de mais atenção. Comecei pelos armários e a retirada de pratos, copos e tigelas. Lavei as prateleiras, sequei-as, coloquei de volta todos os utensílios e fui para as portas. Depois segui: o topo da geladeira, os azulejos, o fogão e por fim as gavetas. Alí já se foram mais algumas horas até que encontro escondido dentro de um cesto, um antigo pacote de farinha de milho que eu trouxera do Brasil um ano atrás com a intenção de fazer o famoso Cuscuz Paulista. Tempo passado, tempo esquecido. Depositei o pacote delicadamente dentro do saco plástico de lixo. Após lavar o chão deu-me vontade de tomar café e para minha decepção constatei que a lata estava vazia. Avistei ao longe, atrás de uns potes, um vidro de café instantâneo. Ao sentar-me com a xícara na mão percebi o quanto patético tudo me pareceu.

Ainda que eu não possua grande talento para a cozinha, tiro da prateleira um de meus livros sobre a culinária brasileira. Passo os olhos sobre as receitas mas o que mais me encanta, ainda que com certa ingenuidade, é o romantismo dos nomes de alguns pratos e a sonoridade das palavras: Picadinho de Abóbora, Beijos de Côco com Chocolate, Farofa Peri Peri, Rabanada da Anita, Baba de Moça, Acarajé, Torta dois Sentidos...

E com as horas avançando rapidamente, não deixei de pensar nas mulheres que conseguem dividir o ritmo de suas ocupações domésticas e encontrar no meio desse caos, momentos particulares para a realização de seus próprios prazeres. Fiquei tentando descobrir como combinar tudo isso com o desejo de criar: pintar, escrever, bordar...cuidar dos filhos, das compras e do jantar para o marido.

Saber que não existe arte sem dedicação, sem infinitas horas de trabalho de organização das idéias, sem a interiorização necessária que comanda os sentidos de um artista. Como separar-se do mundo simbólico e encontrar inspiração e tempo para almejar o resultado desejado?

Ser mãe e ser artista. Será que é possível combinar essa natureza com aptidões?

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