O DIA MAIS
FRIO DO ANO
Sérgio Godoy
O
mês de março trouxe
duas semanas de muita neve. De repente
tudo cobriu-se em branco e o silêncio
confirmou presença nas ruas e
nos jardins. Amsterdã abriu-se
sem pudores revelando canais congelados
e ruas escorregadias; provocou acidentes
com ciclistas e negou o uso de automóveis,
que ficaram estacionados e formaram massas
abstratas como esculturas de gelo.
Da janela de minha sala pude observar
algumas crianças que brincavam
de jogar bola de neve um contra o outro.
Casais apaixonados que se beijavam tal
fervor no calor essencial da paixão,
nas mãos protegidas contra o frio,
na alegria inusitada da nevasca de março.
Algumas
pessoas questionaram o acontecimento: “Nevar
em março? Isso é estranho!”
Estranho
porque a neve chega em janeiro ou
fevereiro. Estranho porque o inverno
aqui na Holanda raramente traz o
nome “rigoroso” em
suas costas. Mas esse ano resolveu congelar
e mostrou que em muitas cidades a preparação
para tal evento não fôra
suficiente.
Após
dois dias de constante camada de
gelo nas calçadas só era
possível caminhar com segurança
colocando pregos na sola do sapato. Tirei
do armário uma bota
apropriada e enfrentei a condições
necessárias a minha locomoção.
Não demorou muito para a beleza
romântica da neve se despedir e
deixar nas ruas camadas de “lama
escura” .
E
como em todo evento da natureza a
fragilidade humana coloca-se diante
de perigos, a vida acena à despedida.
Hoje
o sol aparece escondido, quase como
se pedisse desculpas, um tanto envergonhado
tentando fazer-se lembrar de sua
existência.
A neve se foi mas as ruas continuam molhadas,
as árvores que vejo não
mais suportam as bolas brancas de uma
semana atrás. As crianças
e os casais apaixonados desapareceram.
Da janela da minha sala vejo outras janelas
do outro lado da rua como olhos escuros
que espiam uma cidade vazia. Acredito
que hoje será apropriado para
tirar fotografias em branco e preto.
Acabou a neve e resta um clima dramático
no dia mais frio do ano.
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