Minha Coleção
Sérgio Godoy
Coleciono cartões com reproduções de pinturas que adquiro nas lojas dos museus que visito. Sem fanatismo, mas com grande senso de avaliação. Esses cartões são guardados em duas belas caixas de madeira que mantenho ostensivamente dentro de um pequeno móvel com portas de vidro. Lembro-me do primeiro cartão, que me acompanhou durante uma viajem de Madrid a Lisboa: a beleza sensual de São Sebastião, por Guido Reni. Alguns cartões envio aos amigos e familiares em ocasiões especiais, outros, uso como marcador de página e ficam esquecidos no meio de livros.
Quando garoto, nunca tive vontade de colecionar algo, ao contrário de meus irmãos, que colecionavam selos, moedas e album de figurinha. Apesar de exercer encantamento, ou despertar a curiosidade, as coisas passavam despercebidas, para mim e, quando não, eram relegadas ao esquecimento. Meus brinquedos eram deixados de lado sem apego e muitas vezes os distribuia às crianças vizinhas, para logo em seguida ser reprimido por minha mãe: "Esse menino não guarda nada!" E por já ser assim é que acredito que até hoje o meu "materialismo" seja quase insignificante. Isso não quer dizer que não saiba apreciar conforto.
Somos nós brasileiros bons colecionadores ou preservadores da memória? Talvez sejam poucos aqueles que ainda mantêm em uma caixa fechada os cadernos de escola, o primeiro par de sapatos, o carrinho e a boneca que ganharam dos avós. Fazendo uma simples comparação com a cultura holandesa, o brasileiro possui uma grande tendência a não guardar aquilo que foi importante no passado. Os holandeses são fervorosos na preservação de seus objetos, e acham bonita, a idéia de ainda encontrar, dentro de um zolder qualquer, todas as lembranças de infância representadas, por exemplo, no primeiro trabalho artístico feito na escola. Mas, definitivamente, o que mais me intriga é o fato deles quererem guardar tudo de todas as décadas de suas vidas; a camiseta usada no verão de 75, a cafeteira que foi sucesso durante os anos 80, a bota com o salto quebrado, os aparelhos eletrônicos que já não mais funcionam, etc.
Assim acabamos por acreditar que na Holanda não vigora o velho ditado: cada coisa em seu canto, cada canto em seu lugar! Mas, como para toda regra há uma exceção, vez ou outra ouve-se alguém dizer: o meu parceiro holandes é tão limpo, tão minimalista que não posso deixar nem uma folha de papel sobre a mesa.
Exagero ou não, qualquer extremo é perigoso! Graças a evolução social, as culturas se confrontam e se adaptam, novos costumes surgem e outros são preservados. Talvez algum dia eu deixarei de colecionar cartões e as duas caixas ficarão vazias. Na memória, a lembrança desse meu tempo e suas circunstâncias.
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