SABIÁ
Sérgio Godoy
A primavera chegou trazendo um sorriso à cidade de Amsterdã. Ao abrir a janela da sala ou do quarto vejo novas flores nas árvores, no contraste do gramado, nas varandas. O sol reflete sua cor alaranjada nas vidraças e como em uma imensa revelação, os holandeses também sorriem e fazem contatos com os olhares. Com um número maior de turistas nas ruas um outro fator se torna mais evidente nessa época do ano; a sensualidade.
Amsterdã, ao contrário de outras cidades européias, aspira desejos e coloca-se livre no balançar dos corpos que passam; nas pernas, braços e cabeças, no jingado que não é brasileiro mas nem por isso menos sensual.
Esta semana me deixei ser seduzido pelo pôr-do-sol. Sentado em uma confortável cadeira no bar do Bimhuis, observei ao longe a arquitetura da Estação Central, os barcos cruzando as águas do rio Amstel, o tram passando sobre a ponte quase como uma referência a um brinquedo infantil. E como não poderia deixar de sentir uma certa melancolia, não me retraí à mistura complexa de todos esses sentimentos.
Bimhuis é uma casa de espetáculos recém inaugurada e compõe nova beleza na arquitetura da cidade. Além de um pequeno teatro de arena onde bandas de jazz se apresentam, possue também restaurante, terraço e bar. Alguns artistas brasileiros já passaram por lá e desta vez foi a chance de Monica Salmaso; cantora de voz bonita com marcante presença no palco, ela encantou a noite do Bimhuis apresentando um repertório já apresentado em sua turnê pela Europa; duas horas só de música composta por Chico Buarque de Holanda. E ao cantar Sabiá – uma das composições mais bonitas de Chico e Jobim - foi impossível não sentir a palpitação no peito de cada brasileiro ali presente:
SABIÁ
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
......................................
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer
......................................
Saí do teatro e em minha bicicleta pedalei de volta para casa. Depois de um longo inverno essa foi a primeira noite de calor aconchegante e com os bares lotados, risos invadiam calçadas; cada pessoa com sua sabiá, confidentes de seus ninhos. Em uma interpretação mais profunda, talvez ilógica para aqueles que me conhecem, sei que chegou a hora de eu voltar. Mas como sempre o problema é: onde mesmo estará, essa minha sabiá?
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