ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE
Susana Jas
Íamos pela rodovia com destino a Bussum, quando de repente, a sinalização das placas superiores avisava que haveria uma só pista até uma ponte que tinha ali adiante. Não havia sinal de homens trabalhando e a polícia passou a todo vapor por nós. Logo imaginamos um acidente...
Quando chegamos à ponte, vimos um grupo de ciclistas com mountain-bikes, todos já com mais de trinta e, apalermados, olhavam os paramédicos fazendo massagem de reanimação num de seus colegas.
Fiquei pensando com meus botões... o sujeito sai feliz, num belo domingo ensolarado, com seu grupo, para praticar um esporte e, no meio do caminho seus sonhos são ceifados, sem o menor aviso.
Depois de olhar de relance a reação de seus colegas, fui reportada às reações dos holandeses diante da fatalidade da morte.
Confesso que quando vim para cá, nos primeiros tempos , eles chegaram a passar a impressão de que não sofrem. Eles com certeza sofrem, mas, são educados desde cedo a não demonstrar seus sentimentos e a olhar de forma absolutamente fria para o fato de que “tudo um dia acaba”.
Acho que os diques tambem estão nos sentimentos dos holandeses. Provavelmente colocados ali pelo Calvinismo.
Eu tenho a impressão de que todos nós sabemos que um dia tudo acaba, mas nem por isso deixamos de chorar, gritar, espernear aos sete ventos a nossa dor, saudade, mágoa, amor, seja lá o que for.
Existe a diferença que os funerais daqui são mais formais. O corpo fica num freezer por uns 3 dias e aí então há a cerimônia final. Nos tempos antigos, pasmem, o corpo ficava em casa mesmo, sendo constantemente velado pelos 3 dias. Nesse meio tempo, acho que a família tem tempo de arrumar tudo e de se “acostumar” com a idéia, se é que isso é possível.
Não pude deixar de comparar com o Brasil. Alguns velórios que fui quando criança me deixaram com trauma de ouvir algumas pessoas gritando no desespero.
Hoje, madura e olhando as coisas pelo ângulo daqui, sinceramente, não sei o que é melhor.
Desculpem o assunto mórbido, mas até nisso as diferenças culturais se manifestam.
Nesses momentos percebe-se o quanto a falta de fé endurece os corações.
Aqui parece que poucos ainda têm fé num porvir. Mas, mesmo assim, parecem também não viver tão intensamente como se não houvesse amanhã. É como se vivessem com o freio-de-mão puxado, se é que me entendem.
O hábito da cremação e da eutanásia ainda causa em mim um sentimento estranho, ruim. Mas, já consigo olhar para esses hábitos desse povo sem espantos maiores.
Cada vez mais me convenço que o que realmente dá sentido à nossa vida é a fé em Deus, nossa família e nosso trabalho. É preciso viver e redescobrir a cada dia, o milagre da vida.
Quando nossos pensamentos se voltam para o termo da vida, nem as diferenças culturais têm algum peso. O segredo é viver. E viver intensamente, amar intensamente, perdoar intensamente.
Só assim terá tido algum sentido.
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